Conteúdos Programáticos I

Neste separador colocarei todos os tópicos abordados durante o período letivo referentes ao tema 1 do livro adotado (PSI para SI).

O que é a Psicologia? O que estuda?

Objeto de Estudo da Psicologia

Processos Mentais e Comportamentos

A Psicologia é uma ciência que estuda a mente e os comportamentos humanos, sendo a mente a dimensão menos observável e os comportamentos mais observáveis.

  • Comportamentos: tudo o que podemos observar um organismo vivo fazer, na sua estreita relação com o meio, ou seja, é a resposta a estímulos internos e externos.
  • Processos mentais ou Experiências mentais: Tudo o que é de ordem interna, subjetiva, consciente ou inconsciente, que acompanha os comportamentos e que não é diretamente visível, sendo captada através de relatos ou de comportamentos. Exemplos disto são os pensamentos, as emoções ou ainda os sentimentos.

Desta forma, a Psicologia é uma disciplina extremamente complexa e completa, uma vez que o seu estudo se baseia na mente e nos comportamentos humanos, que são relatados sempre com base nas nossas emoções e sentimentos do momento. É de realçar que cada mente é também diferente, ou seja, pensa e executa de forma diferente, o que torna ainda mais complexa esta disciplina. Este facto leva a que não exista um processo global para a Psicologia, como existe para muitas outras ciências.

Estudo da Mente de um indivíduo

Como foi possível observar anteriormente, cada indivíduo, na mesma circunstância, pode tomar decisões distintas, existindo assim um subjetividade da vontade e da personalidade de cada um. Desta forma, não nos é possível criar ou interpretar cada indivíduo da mesma forma, não existindo um processo ou método global para a Psicologia. Para além disto, não existe nenhuma causalidade direta entre os comportamentos de um indivíduo e os seus processos mentais, podendo existir assim, diferentes perspetivas de análise e metodologias de estudo da disciplina.

Desta forma aquando se estuda ou analisa um indivíduo é necessário que se situe o indivíduo em diferentes escalas e grupos, como grupo cultural, género, estatuto social, idade, estado de saúde, entre outros, nu8nca se esquecendo deter em mente os diferentes processos de base (pensamento, aprendizagem, memória), sociais (conformismo, preconceitos, relações intergrupais), de desenvolvimento (mudanças que ocorram nas pessoas ao longo da vida) e patológicos (doenças físicas, comportamento aditivos, alterações de personalidade).

Objetivos de Estudo

Dado que o objeto de estudo da Psicologia é os comportamentos e os processos mentais, então os objetivos desta ciência são descrever, explicar, prever e controlar ou alterar os comportamentos e os processos mentais de um indivíduo, pela seguinte ordem:

  1. Descrever uma determinada situação que leva a um determinado comportamento num indivíduo.
  2. Explicar os fenómenos descritos anteriormente.
  3. Prever a possibilidade de se virem a verificar certos comportamentos ou a de se desenvolverem certos processos mentais num indivíduo.
  4. Controlar ou alterar futuros comportamentos ou processos mentais de um indivíduo.

Intervenções dos Psicólogos

São diversas as intervenções de Psicólogos, no entanto, as mais conhecidas e comuns são a remediação, prevenção e a promoção de comportamentos e processos mentais, tendo estes psicólogos, enquanto agentes promotores de mudança o objetivo de capacitar os indivíduos para o autoconhecimento e para a manutenção da saúde mental

Os psicólogos trabalham nas mais variadas áreas da ciência, trabalhando desde hospitais ou centros de saúde até com profissionais de justiça, como os juízes. Normalmente são declaradas três tipos de intervenção destes profissionais:

  • Intervenção para a remediação, onde o problema já que encontra presente, uma vez que a crise já está instalada. Nestes casos, o problema já se formou no passado.
  • Intervenção para a prevenção, onde existe um risco para a ocorrência de um problema. Nestes casos, o problema ainda se está prestes a formar ou a desenvolver.
  • Intervenção para a promoção, onde não existe riscos para um possível problema. Nestes casos, a atuação serve mesmo para o desenvolvimento de técnicas para que num futuro não surja nenhum problema ou crise.

Genética


Agentes Responsáveis pela Transmissão Hereditária

Muitos dos aspetos de funcionamento do nosso corpo, como o funcionamento de órgãos e certos comportamentos são transmitidos pela hereditariedade. Alguns destes exemplos são a capacidade de camuflagem do camaleão, a velocidade impressionante atingida por uma chita, o voo distinto de muitas aves, entre outros. Deste modo, muitas das características, quer em termos físicos, quer em comportamentos, são herdados pelos nossos progenitores, ou seja, já nascem connosco.

Cada vez mais se ouve frases como doenças associadas a genes, características dependentes de cromossomas, descodificação do genoma humano, entre muitas outras. Estes termos, como ADN, cromossomas e genes vão ser extremamente importantes para compreender como é que as nossas capacidades físicas e comportamentos podem estar associados a processos de hereditariedade.

Toda esta hereditariedade resultará na junção de duas células extremamente importantes, o óvulo e o espermatozoide, que vão dar origem ao ovo.

Mitose

Sendo a célula a unidade básica da estrutura e da função de qualquer ser vivo, enfrenta o grande desafio de realizar a divisão celular, originando duas células-filhas, cujos núcleos possuem toda a informação contida no DNA da célula-mãe e com citoplasma suficiente para desempenhar as suas funções futuras. A grande maioria dos tecidos de um organismo adulto possui células diferenciadas, que se dividem e originam células-filhas, com características semelhantes entre si.

Cromossomas e Herança Genética

Todos os seres vivos existentes são constituídos por células que apresentam uma organização estrutural complexa. Nós, seres humanos, não fugimos à regra, tendo esta célula como estrutura mais complexa o núcleo. O DNA é uma molécula muito grande e encontra-se dentro do núcleo, que é relativamente pequeno. Este facto só pode ser explicado se o DNA se encontrar densamente compactado. Esta molécula de DNA será extremamente importante para o fenómeno de hereditariedade, uma vez que esta compõem toda a informação genética responsável pelas características de cada espécie e de cada indivíduo.

Em determinados momentos da vida das células, relacionados com o processo de divisão celular, a cromatina sofre uma forte condensação. Nessa altura é possível observar que ela é composta, dependendo do organismo, por uma ou mais entidades distintas, denominadas cromossomas. Estes cromossomas são constituídos quimicamente por ADN (ácido desoxirribonucleico) e proteínas (histonas). São exatamente estes cromossomas que irão servir de suporta aos genes, que serão responsáveis pela transmissão da informação genética para os descendentes.

As células de um organismo da mesma espécie possuem sempre o mesmo número de cromossomas, excetuando as células sexuais. O conjunto de todos os cromossomas de uma célula constitui o cariótipo. Desta forma, diferentes espécies terão diferentes números de cromossomas, não implicando que menos cromossomas originem, necessariamente, um organismo menos complexo.

Nota: Alterações no número ou composição dos cromossomas podem levar a doenças ou síndromes, como é o caso do Síndrome de Down, que surge devido à existência de três cromossomas 21, tendo um total de 47 cromossomas e não 46 cromossomas (número de cromossomas considerado comum no ser humano).

Cromossomas Sexuais

Os cromossomas numa célula organizam-se, geralmente, em pares, consoante as suas semelhanças. Contrariamente a esta regra, surgem os cromossomas sexuais.

O ser humano possui 23 pares de cromossomas, sendo 22 destes cromossomas somáticos e comuns aos dois sexos existentes (feminino e masculino) e 1 de cromossomas sexuais, distinto entre o homem e a mulher. No homem os cromossomas sexuais são compostos por um cromossoma X e um cromossoma Y, enquanto que na mulher apenas existem dois cromossomas X. É devido à existência ou não de um cromossoma Y ou X como par do primeiro cromossoma X, que definirá se o indivíduo será masculino ou feminino.

Ao longo do tempo foram analisados todos estes pares de cromossomas e descobriu-se que o ADN existente nos 23 pares de cromossomas será aquele que irá definir as características de cada ser vivo. Uma vez que o ADN é universal e que dentro da mesma espécie se encontra idêntico, então será o número de nucleótidos, assim como a sua sequência que irá levar às diferenças nos pares de cromossomas, o que resultará na definição das características de cada ser vivo.


Genes

Os genes são caracterizados como a unidade fundamental da hereditariedade. Cada gene é formado por uma sequência específica e ordenada de ácidos nucleicos, ou seja, meio que correspondem a um código específico. Cada gene resultará numa função distinta, podendo variar desde genes para a produção de proteínas, genes de controle, que podem controlar certas características do indivíduo, ou mesmo, genes que codificam a cor dos olhos, do cabelo, entre outros. Os genes são nada mais nada menos do que segmentos de cromossomas.

Ao nome de todos os genes existentes no ser humano, dá-se o nome de genoma. Desta forma, a informação que leva às diferenças existentes entre os diversos seres vivos está contido nos genes e nas mais variadas associações e composições de cada um destes pequenos segmentos de cromossomas.

Meiose

A reprodução sexuada envolve a ocorrência, alternada, de fecundação e meiose, um tipo de divisão nuclear que ocorre apenas em células diplóides especializadas, em alturas particulares da vida de um organismo, e que difere da mitose, pois assegura a redução do número de cromossomas para metade.

Esta divisão nuclear acontece quando um determinado tipo de célula diplóide (2n), ou seja, com a quantidade de cromossomas característica das células somáticas da espécie, necessita de criar células sexuais - gâmetas - com um número de cromossomas reduzido a metade - célula haplóide (n).

A divisão celular meiótica é um fenómeno observável em alguns tipos de tecidos específicos, como, por exemplo, aqueles que pertencem aos órgãos sexuais, responsáveis pela produção das células sexuais (gâmetas ou esporos).

Este tipo de divisão nuclear faz parte de um ciclo celular especial em que ocorrem várias etapas até à formação das células-filhas: a interfase pré-meiótica, a meiose e a citocinese. Embora possa parecer que este tipo de ciclo é em tudo semelhante ao anteriormente estudado, e em que a divisão do núcleo acontecia por mitose, existem profundas diferenças, pois a meiose implica duas divisões celulares que originam quatro células haplóides:

a primeira (meiose I) é uma divisão reducional - produz duas células haplóides a partir da célula diplóide inicial;

a segunda (meiose II) é uma divisão equacional - separa os cromatídeos-irmãos das células haplóides anteriormente formadas.

O processo inicia-se com a interfase, ao longo da qual ocorre o crescimento da célula germinativa e a replicação do DNA. Como na mitose, também aqui se consideram três etapas:

a fase G1, em que se inicia o crescimento celular

a fase S, em que o DNA duplica

a fase G2, em que termina a preparação para a meiose com a síntese de proteínas e a conclusão do crescimento celular.

Após este período, tem lugar a meiose, que consiste em duas divisões celulares sequenciais e complementares (podendo ocorrer, ou não, um período de separação, muito breve, entre ambas) com uma única duplicação no DNA (na já referida fase S da interfase inicial).

Fecundação e Variabilidade Genética

Devido ao facto de, na meiose, ocorrerem duas divisões consecutivas com uma única duplicação do DNA, o resultado final é a formação de células haplóides capazes de participar no processo de fecundação, originando um ovo com o número de cromossomas característico das células somáticas da espécie. Assim, unindo-se os gâmetas (n) masculino e feminino, é reposta, na nova célula diplóide (2n), a quantidade de DNA. Sendo assim, a meiose é o fenómeno responsável pela diversidade verificada mesmo entre os descendentes e os progenitores. É esta variedade que possibilita, em condições adversas, a sobrevivência dos indivíduos da espécie que melhor se adaptam às variações ocorridas.


Influências Genéticas e Epigenéticas no Comportamento

Ao longo da vida dá-se inúmeras alterações no ser, incluindo também inúmeras vivências que levam à alteração do seu pensamento e dos seus comportamentos. Porém, desde há muito tempo, através dos mais variados estudos, que se tenta perceber qual das variantes é mais significativa: A hereditariedade ou meio onde o indivíduo cresce e se desenvolve?

Para entendermos qual dos dois fatores possui uma maior influência, ou mesmo se existe uma predominância de um dos fatores ao invés de haver um equilíbrio, teremos de ter conhecimento dos processos de hereditariedade específica e individual, assim como os conceitos de fenótipo e genótipo.

Hereditariedade Específica e Individual

Para compreendermos melhor o fator da hereditariedade nos comportamentos humanos, teremos de compreender melhor os dois tipos de hereditariedade:

  • Hereditariedade específica - que caracteriza uma espécie.
  • Hereditariedade individual - que caracteriza apenas um sujeito de cada espécie.

hereditariedade específica traduz-se na informação genética relativa a todos os indivíduos de uma espécie, informação esta que levará à existência de características comuns a todos os indivíduos desta espécie. Estas características são, por exemplo, a migração das aves, as técnicas coordenas de caça dos felinos, as formas de acasalamento dos cavalos-marinhos, entre muitas outras. Nos seres humanos também existem algumas características comuns, características essas que nos definem como humanos, como a constituição do rosto, a constituição das estruturas cerebrais, do complexo esqueleto…

Por outro lado temos a hereditariedade individual que, como foi dito anteriormente, corresponde à informação genética responsável pelas características de um indivíduo o que o distingue de todos os outros da sua espécie, tornando-o desta forma único. Este tipo de hereditariedade é possível de ser observada na forma como o nosso rosto se desenvolve, contrastando com o rosto dos vários seres humanos, a espessura e o desenho das sobrancelhas, a existência de marcas ou sinais na nossa pele, entre muitas outras características.

Desta forma, e pegando no exemplo do ser humano, todos nós possuímos a mesma hereditariedade específica, uma vez que fazemos todos parte da mesma espécie, no entanto, diferimos todos em termos de hereditariedade individual, o que nos leva às tais diferenças físicas, tornando-nos únicos ("Todos diferentes, todos iguais").

No caso do ser humano, é ainda de se referir que as suas diferenças individuais são também manifestadas pela influência dos diversos meios ambientes onde se desenvolvem.


Genótipo e Fenótipo

Inicialmente teremos de distinguir genótipo de fenótipo.

O genótipo é o conjunto de todos os genes de um indivíduo aquando da sua nascença que provêm do pai e da mãe. É exatamente nestes conjunto de genes que se encontra toda a constituição genética do indivíduo, assim como as características que podem ou não ser exprimidas pelos descendentes. A expressão dos genes está extremamente relacionada com a o meio onde o indivíduo se desenvolve. Desta forma, pode-se concluir que o genoma é nada mais nada menos do que o projeto genético de um indivíduo, ou seja, é caracterizado como todo o conjunto de caracteres que se podem ou não exprimir.

Por outro lado, o fenótipo é caracterizado como as características observáveis de um indivíduo, que resultam da expressão dos genes existentes no organismo. Estas características são aquelas que tornaram o indivíduo único dentro da sua espécie, como a morfologia, desenvolvimento, propriedades bioquímicas ou até mesmo fisiológicas e comportamento. Deste modo, o fenótipo é designado como o conjunto de características individuais dos organismos que, obviamente, têm origem genética, surgindo devido à interação entre o genótipo e o meio ambiente, ou seja, que recebem modificações decorrentes da relação com o meio.

Como podemos observar, a aparência de uma pessoa surge então determinada pelo genótipo, que provém da hereditariedade, em estreita relação com o meio e com todos os fatores ou condições que este nos traz, como, por exemplo, as condições alimentares, socioeconómicas, socioculturais, entre outras. Sendo assim, a pessoa não é geneticamente determinada, uma vez que um indivíduo surge como o resultado de uma história em que se conectam diversos fatores hereditários e ambientais. O ser humano apresenta-se então um ser extremamente complexo devido à interação entre os fatores hereditários (genética) e o meio que nos rodeia (meio ambiente).

É extremamente importante realçar que estas potencialidades genéticas que um indivíduo apresenta no seu nascimento são a consequência da interação entre o se genótipo e o meio, que se inicia mesmo durante o desenvolvimento embrionário. Efetivamente, desde que somos embriões que se fazem sentir os efeitos do meio, surgindo assim as potencialidades que a célula inicialmente, ou seja, antes da "interação" com o meio não possuía, sendo o ambiente pré-natal extremamente importante para o desenvolvimento do indivíduo.


Estudo dos Gémeos

Para se compreender melhor esta interação entre a hereditariedade e o meio, fornecendo-se assim dados conclusivos entre qual dos dois seria mais predominante, ou se existiria sequer uma predominância de um dos fatores, foram realizados estudos em indivíduos específicos: gémeos verdadeiros e gémeos falsos. Com estes estudos, especialmente, foi possível concluir a influência do meio no comportamento e no desenvolvimento humano, através da estreita relação com a transmissão hereditária.

Inicialmente, tem de se distinguir os dois tipos de gémeos existente:

  • Gémeos falsos, também denominados de gémeos heterozigóticos ou bivitelinos, resultam da fecundação de dois óvulos por dois espermatozoides distintos. Esta fecundação irá ocorrer ao mesmo tempo, assim como o nascimento dos gémeos, no entanto os dois seres humanos não serão idênticos. A sua semelhança, mesmo estes sendo gémeos, não será superior à de irmão e irmãs comuns.
  • Gémeos verdadeiros, também denominados de gémeos homozigóticos ou univitelinos, resultam da divisão do mesmo ovo ou zigoto. Desta forma, uma vez que o espermatozoide fecunda apenas um óvulo, que se desdobra em dois, então estes terão exatamente a mesma composição ao nível dos cromossomas e, consequentemente, a mesma carga hereditária. Este gémeos verdadeiros terão exatamente a mesma aparência, entre outras semelhanças, como o grupo sanguíneo, ou seja, é quase como se fossem clones ou "fotocópias" um do outro.

Alguns dos estudos efetuados em gémeos basearam-se na análise de gémeos que foram separados à nascença e cresceram em ambientes distintos, como os Gémeos Jim. Estes gémeos foram separados à nascença e desenvolveram-se em ambientes distintos, apenas se encontrando aos 39 anos de idade. Quando compartilharam as suas histórias chegaram à conclusão de que existiam imensas semelhanças entre os dois, como o nome das filhas, o nome do primeiro cão e a idade a que cada um destes o teve, entre muitas outras, evidenciando assim a importância da hereditariedade no desenvolvimento. Por outro lado, estudaram-se também casos de gémeos que levaram vidas totalmente distintas, quando inseridas em ambientes distintos, evidenciando-se então a importância do meio no desenvolvimento humano. Deste modo, com o estudo destes  gémeos, compreendeu-se que a influência genética não seria determinante, mas sim condicionante, uma vez que o desenvolvimento do ser humano culmina entre esta influência genética e o meio ambiente que o rodeia.


Mas então esta interação é positiva ou negativa? E será que ocorre ao longo da vida?

Como podemos ver anteriormente, a interação entre o meio e a hereditariedade genética é inevitável. Esta característica será extremamente importante para o desenvolvimento humano, trazendo uma especificidade à nossa espécie, aos mais diversos indivíduos. No entanto, até que ponto é que esta interação hereditariedade-meio pode-nos ser favorável?

Sabemos que existem alguns fatores que podem influenciar negativamente a expressão e desenvolvimento do potencial de uma criança. Começaremos pela interação ao nível do meio intrauterino aquando do desenvolvimento embrionário. Conhecemos que existem algumas substâncias ingeridas pela mãe grávida, como medicamento, substâncias tóxicas ou mesmo certos estados emocionais, a depressão por exemplo, que podem prejudicar o desenvolvimento do feto ou mesmo levar ao aparecimento de anomalias no indivíduo. Para além disto, a existência de algumas doenças, como a rubéola, pode levar ao aparecimento de algumas deficiências no nascimento da criança, como a surdez, ou mesmo atraso mental.

Deste modo, a interação entre a hereditariedade e o meio pode surgir de uma forma positiva ou negativa na influência e no desenvolvimento do ser humano. Mesmo que seja de uma positiva ou negativa esta interação entre estes dois fatores do desenvolvimento humano é claramente inevitável, pois não ocorre apenas durante o desenvolvimento embrionário, como também se prolonga ao longo da vida do indivíduo, levando à exclusividade de cada ser humano.


A Complexidade do Ser Humano e o seu Inacabamento Biológico

Programa Genético

Existe em todo e qualquer ser vivo um programa de desenvolvimento, que nos permite distinguir e perceber a forma de agir e de viver de certos animais e plantas. É devido a isto que nos é possível, por exemplo, esperarmos que flores de pétalas brancas e de centro amarelo nasçam quando se plantam sementes de malmequer.

Quando nos referirmos a espécies de animais, temos de ter em mente que o seu comportamento estará assegurado devido à resposta a estímulos e instintos que nascem já com o ser vivo. No caso da vaca, por exemplo, o bezerro nasce já com a capacidade de andar, mantendo-se sempre perto da sua progenitora, por forma a ter sempre proteção e alimento. Este facto faz com que seja possível prevermos de uma forma determinada , os processos evolutivos e os comportamentos característicos de uma determinada espécie que são rigorosamente definidos pelo seu programa genético. Desta forma, estes seres vivos são caracterizados como possuindo um programa genético fechado.

No caso do ser humano ou de diversos outros mamíferos, uma vez que as limitações que a genética nos impõe são extremamente menores, então é dito que estes possuem um programa genético aberto, o que resultará numa enorme plasticidade.


Programa Genético Aberto

Tal e qual como foi dito anteriormente, o ser humano, pelo facto do património genético não constitui um fator determinante e ser menos significativa quando comparado com outros seres vivos, como a vaca ou o malmequer, então o ser humano é classificado como portador de um programa genético aberto.

Como nos é sabido, o programa genético, à semelhança de outros animais, define em grande parte o funcionamento dos nossos sistemas, como o funcionamento de glândulas ou a produção de hormonas, entre outras. No entanto, contrariamente ao resto dos seres vivos não mamíferos, "nós" não somos totalmente programados, mas sim parcialmente programados.

Contrariamente ao resto dos muitos seres vivos existentes, o Homem não nasce com instintos que definam o seu desenvolvimento ou comportamento e muito menos especializações consoante o meio onde se inserem. Exemplos destas tais especializações, que definem o desenvolvimento e o comportamento de muitos dos animais são, por exemplo, a chita, que nasce com uma aptidão física extrema, onde é capaz de percorrer certas distâncias a velocidades exuberantes, ou os cães, que possuem um olfato excelente. O ser humano, por outro lado, nasce muito menos preparado para as adversidades da vida do que o resto dos seres vivos em termos genéticos (órgãos, sentidos, constituição esquelética e muscular, entre outros). Esta falta de hiperespecialização faz com que o ser humano seja considerado como "imperfeito" ou inacabado em termos biológicos. No entanto, este inacabamento biológico não constitui de todo uma desvantagem para o Homem, mas sim uma clara vantagem. É devido a este inacabamento biológico que se torna possível ao ser humano desenvolver-se e adaptar-se a circunstâncias novas ou mesmo imprevistas, adaptando-se de uma forma muito melhor às mudanças, algo que no resto dos seres vivos pode ser mesmo fatal. Por exemplo, caso um peixe se desloque de tal forma que acabe em terra, sem água ao seu redor, este pode ser fatal, uma vez que o peixe não está preparado nem adaptado às mudanças repentinas e drásticas, facto que não ocorre no Homem.

Inacabamento Biológico -  Prematuridade

Em muitas das outras espécies de seres vivos existentes, logo após o nascimento, todos possuem instintos que caracterizam o seu desenvolvimento e que ajudam, logo desde início na sua sobrevivência. Após o nascimento, as tartarugas, por exemplo, deslocam-se de imediato da areia, onde estão colocados os ovos, para a extensão de água mais próxima, o que as permite sobreviver. Contrariamente a estes seres vivos, o ser humano nasce com um imenso inacabamento biológico, o que o incapacita de reagir de uma tão eficaz ao meio e às adversidades da vida.

Deste modo, declara-se que o ser humano é um ser prematuro, uma vez que não apresenta as capacidades e as competências de sobrevivência tão desenvolvidas quanto o resto dos seres vivos. Este inacabamento biológico explica assim a razão pela qual a infância no ser humano é tão longa e demorada. Esta infância é o período em que o ser humano irá "acabar" os processos de desenvolvimento que começaram ainda na vida intrauterina, que é essencial para a sobrevivência e adaptação da espécie. É por este modo, que o tempo de crescimento e desenvolvimento do ser humano é extremamente longo, uma vez que o crescimento físico apenas se completa, mais ou menos, aos 20 anos e a capacidade de aprender estende-se por toda a vida.

Inacabamento Biológico - Neotenia

A neotenia é o nome que se dá ao tal inacabamento biológico, em termos físicos, do ser humano, ou seja, é o atraso no desenvolvimento que faz com que o indivíduo se desenvolva mais devagar, quando comparado com a maior parte dos outros animais. Este atraso no desenvolvimento fará com que o bebé tenha uma dependência maior e mais duradoura dos adultos, uma vez que é necessário ensinar-lhe competências básicas à vida, como comer, andar, falar, entre outros.

O retardamento ontogénico, ou seja, o atraso no desenvolvimento de um indivíduo em particular e, consequentemente, o prolongamento do período da infância e da adolescência, está intimamente relacionado com a cerebralização, processo de desenvolvimento do cérebro. A juvenilização ocorre, desta forma, devido aos genes de desenvolvimento, fazendo do Homem um ser neoténico, ou seja, um ser que necessita de um prolongamento da morfologia juvenil até à vida adulta.

A neotenia pode ser analisada ainda em indivíduos adultos como, por exemplo, nas características juvenis que alguns adultos evidenciam, como a caixa craniana oval e fácies juvenis.

Desta forma, a neotenia é o inacabamento biológico que, juntamente com a sua prematuridade irá fazer com que o ser humano necessite de um prolongamento da infância e da adolescência. Este prolongamento levará a uma maior adaptação e desenvolvimento do ser ao meio e às adversidades da vida, o que constitui uma vantagem, já que possibilita a maior capacidade de aprendizagem no seu meio envolvente e da sua cultura.

Vantagens do inacabamento biológico

Como já foi referido, o inacabamento biológico e a prematuridade do ser humano explicam o porquê do ser humano não possuir um programa genético tão limitado e rígido quanto o de outros seres vivos. Enquanto que muitos dos seres vivos são definidos e caracterizados rigidamente pela hereditariedade, já que são portadores de um programa genético fechado, o Homem terá a aprendizagem como meio para desenvolver-se e adaptar-se ao meio e aos imprevistos do mundo, tendo, consequentemente, uma infância e adolescência mais prolongada.

Biologicamente desamparado, sem os instintos de sobrevivência, prematuro e "imperfeito" ou inacabado, o Homem está capaz de desenvolver diversas potencialidades. Este inacabamento torna a sua capacidade de adaptação mais flexível, tendo a capacidade de se adaptar a cultura, ao meio e aos imprevistos do mundo.  Deste modo, tal e qual como Konrad Lorenz defende, o Homem é "um especialista da não especialização", uma vez que o estatuto humano só é atingido através da aprendizagem.

Por fim, toda a "imperfeição" biológica do ser humano, assim como a sua prematuridade que parecem ser desvantagens para o ser humano, já que nascemos com menos defesas e capacidades de sobrevivência do que o resto dos seres vivos, é no entanto uma enorme vantagem, porque nos permite desenvolver a adaptar ao longo da nossa vida, tornando-nos mais capazes de sobreviver aos imprevistos e adaptar-nos consoante as condições em que nos encontramos.


Cérebro

Elementos Estruturais e Funcionais Do Sistema Nervoso

Todos os comportamento do ser humano, desde o mais simples, os reflexos, ao mais complexos, como o pensamento, a memória, a imaginação e a linguagem, são monitorizados pelo sistema nervoso.

Este sistema nervoso funciona através de mecanismo de receção, coordenação e reação. Grande parte dos processos do sistema nervoso iniciam-se nos órgãos dos sentidos ou recetores (mecanismo de receção) onde se dá a receção das informações e estímulos do meio externo. Estes estímulos vão ser transmitidos e interpretados pelo sistema nervoso, que irá coordenar, processar e determinar as respostas aos estímulos recebidos, sendo estes os mecanismo de coordenação. Por fim temos então o último mecanismo, o mecanismo de reação, que se efetua ao nível dos músculos e das glândulas onde ocorrerá a resposta oa estímulo inicial.

Desta forma, para que haja a resposta a estímulos externos, que são constantes, tem de haver mecanismos ao nível do sistema nervoso que levem à receção, interpretação e reação dessa informação.


Neurónios

Todos os tecidos existentes no organismo humano apresenta-se constituído por células. Obviamente que o Sistema Nervoso não será diferente e terá na sua composição células extremamente especializadas. No entanto, o Sistema Nervoso é um dos poucos sistemas que apresenta dois tipo de células principais, porém distintas:

  • Neurónios - células especializadas responsáveis por grande parte das funções do Sistema Nervoso.
  • Células Gliais - facultam os nutrientes, oxigénio e glicose aos neurónios, alimentando-os, protegendo-os e isolando-os.

A constituição do neurónio será um pouco invulgar quando comparado com outros tipos de células especializadas. Porém será exatamente esta constituição que o tornará tão único e importante.

Constituição do neurónio

O neurónio é constituído por três componentes distintas:

  • Corpo celular
  • Dendrites
  • Axónio 

Primeiramente, iremos falar do corpo celular. O corpo celular é o local onde se armazena o núcleo do neurónio, assim como os diversos organelos existentes. É a partir destes que partem os prolongamentos desta célula.

Seguidamente temos as dendrites. As dendrites é a estrutura do neurónio que assegura a receção do estímulo, levando o impulso nervoso até ao corpo celular. A grande maioria dos neurónios apresenta uma grande quantidade de dendrites, que se assemelham aos ramos de um árvore, medindo cerca de alguns décimos de milímetro.

Por último, mas não menos importante, possuímos a estrutura do axónio. O axónio é um prolongamento, a partir do corpo celular, que garante a condução do impulso nervoso. cada neurónio possui, geralmente, apenas um axónio, mais longo que as dendrites e que terminam num conjunto de ramificações, assemelhando-se a uma raiz de uma árvore, denominadas de terminais axónicas. Os axónios encontram-se, normalmente, envolvidos por uma bainha de mielina, denominando-se o neurónio nesse caso de substância branca, uma vez que lhe confere um tom esbranquiçado. No entanto, existem outro tipos de neurónios que apenas são banhados por uma substância cinzenta. É exatamente estas substâncias que irão dar a cor cinzenta do cérebro do seu exterior (camada exterior do cérebro que é constituída por neurónios sem bainha de mielina) e à cor branca do seu interior (camada interior do cérebro composta apenas por neurónios com bainha de mielina).

O axónio e certas dendrites de um neurónio constituem ainda uma fibra nervosa. Estas fibras nervosas podem-se agrupar em feixes, dando origem a um conjunto de fibras nervosas. Estes conjuntos de fibras nervosas podem ainda ser envolvidas por uma membrana tendo o nome de nervos.

Todas as estruturas constituintes do neurónio encontram-se totalmente interligadas o que dará origem a um processo de comunicação nervosa complexa. A interação constante entre os vários neurónios vai ser o seu princípio essencial subjacente à forma e à anatomia destas células.


Tipos de Neurónios

Com todas as diferenças existentes entre os vários neurónios, como foi possível analisar anteriormente, existirá neurónios com diferentes funções. Desta forma, foi necessário dividir os neurónios em três tipos essenciais:

  • Neurónios aferentes ou sensoriais - São afetados pelas alterações ambientais e ativados pelos vários estímulos com origem no interior ou exterior do organismo. Este tipo de neurónios tem como função recolher e, consequentemente, conduzir as mensagens da periferia do Sistema Nervoso para os centros nervosos, ou seja, para a medula espinal.
  • Neurónios eferentes ou motores - São responsáveis pelos transporte de mensagens dos centros nervosos até aos órgãos efetores, ou seja, aqueles que vão executar a resposta ao estímulo, como os músculos ou as glândulas. Basicamente, estes neurónios têm como função responder aos estímulos recebidos, levando, por exemplo, ao fecho de certas glândulas ou à contração de músculos.
  • Neurónios de conexão ou interneurónios - São os neurónios responsáveis pela interpretação das informações e elaboração das respostas. É através da resposta destes neurónios que nos é possível realizar atividades com funções superiores, como a capacidade intelectual, as emoções e as capacidades comportamentais.

Estes três neurónios serão extremamente importantes para a receção, elaboração e resposta a estímulos, havendo sempre uma conexão gigantesca entre estes neurónios. A interação e a atividade destes neurónios está presente em qualquer tipo de comportamento, como afastar uma mão quando nos queimamos (reflexos) ou então elaborar um teste (atividades complexas).


Sinapse e Comunicação Nervosa

Como foi referido anteriormente, todas as estruturas constituintes do neurónio, assim como os vários neurónios existentes, encontram-se totalmente interligadas o que dará origem a um processo de comunicação nervosa. Este processo, bastante peculiar e complexo, dá-se devido à existência de junções entre os terminais de um neurónio e as dendrites de outro, podendo também ser entre um neurónio e um outro tipo de célula, sendo denominado este local de sinapse. É na sinapse onde ocorrerá a transmissão de informação entre estas duas células do sistema nervoso.

O neurónio tem como função principal, como foi entendido até então, de transmitir impulsos nervosos através da sinapse, ocorrendo assim o processo da comunicação nervosa. Quando um neurónio é estimulado, as características químicas e elétricas do neurónio alteram-se, produzindo uma certa corrente elétrica. Esta corrente que circulará através dos vários neurónios, constituída pelos inúmeros impulsos nervosos, é designada de influxo nervoso. Desta forma, o influxo nervoso é uma espécie de mensagem, no entanto "ditada" através de uma "corrente elétrica", tal e qual como a corrente que circula no fio do telefone.


O Funcionamento Global do Cérebro

O cérebro humano, desde os Gregos, é o objeto de estudo mais complexo e fascinante a ser estudado. Para que seja possível compreender o seu funcionamento e a forma como executa as mais variadas funções, é necessário que seja integrado em dois sistemas que, só por si, são também extremamente compostos. Destes sistemas realçam-se dois deles, sendo, neste caso:

  • Sistema Nervoso Central, responsável pela processão e coordenação de informações.
  • Sistema Nervoso Periférico, responsável pela condução da informação da periferia para os centros nervosos. Para além disto, tem ainda como função a  resposta dos centros nervosos para a periferia.
Sem a existência destes dois sistemas nervosos, que ajudam na comunicação de informações, o cérebro não teria qualquer contacto com o meio exterior e interno, ficando completamente isolado dos demais sistemas existentes no organismo. 

Sistema Nervoso Central

O Sistema Nervoso Central (SNC) está compreendido em duas estruturas essenciais, o encéfalo e a espinal medula. O encéfalo encontra-se na caixa craniana, enquanto que a espinal medula localiza-se no interior da coluna vertebral. Todos os comportamentos de um ser humano são, obrigatoriamente, controlados por estas duas estruturas.

Espinal Medula

A espinal medula, como foi anteriormente referido, encontra-se no interior da coluna vertebral e é uma prolongação do cérebro, que se inicia a partir do bolbo raquidiano. A espinal medula +e constituída por duas substâncias: substância branca e cinzenta. Exteriormente, a espinal medula é revestida por uma substância branca, formada por neurónios com bainha de mielina, enquanto que no seu interior é apenas constituída pela substância cinzenta.

A espinal medula tem dois tipos de função:

  • Função de coordenação,  que remete para a responsabilidade de coordenar a atividade reflexa, como, por exemplo, o reflexo sensoriomotor. Este tipo de função é a mais elementar em qualquer tipo de espécie, uma vez que é automática e imediata e corresponde à resposta a um estímulo. Alguns exemplos são o reflexo rotular ou o reflexo pupilar.
  • Função de condução, que remete para a transmissão de mensagens do cérebro para o resto do corpo e vice-versa. Os estímulos percecionados pelos órgãos recetores, como a dor, a temperatura, toques, entre outros, vão ser transportados pelos nervos sensoriais até à espinal medula. A partir da espinal medula, os estímulos vão ser conduzidos até ao cérebro, onde ocorrerá o processo das informações recebidas em certas áreas especificas. Para além disto, a espinal medula terá ainda a função de transportar as respostas processadas pelo cérebro até aos órgãos efetores, como é o caso dos músculos ou glândulas.

Nota: A importância da espinal medula observa-se quando ocorre uma lesão, através de uma doença ou acidente nesta área do Sistema Nervoso Central. Uma lesão provocada nesta zona pode à debilidade em certas zonas do nosso corpo ou mesmo a uma paralisia total do mesmo, levando à perca de reflexos e sensibilidade. Caso a lesão ocorrida atinja a parte inferior da espinal medula, a pessoa fica paraplégica e não controla os movimentos dos órgãos da cintura para baixo. Caso esta lesão ocorra na parte superior desta estrutura, a pessoa fica tetraplégica, só podendo mesmo movimentar a cabeça.

Encéfalo

Tal e qual como foi referido, o encéfalo encontra-se na caixa craniana, ou seja, no interior do crânio. esta estrutura encontra-se rodeada por três membranas que lhe fornecem uma enorme proteção, denominadas meninges. O encéfalo encontra-se divido em várias estruturas especializadas que funcionam de forma complementar por forma a assegurar unidade ao comportamento humano. Desta forma, o encéfalo humano encontra-se constituído, para além do mais, por um conjunto gigantesco de milhares de milhões de redes neuronais pelas quais se propagam inúmeros impulsos elétricos.

O encéfalo é constituído por oito estruturas essenciais, como a imagem ilustra:


Funcionamento Sistémico do Cérebro

Para que seja possível compreender a mente humana e a forma como esta se processa é necessário que nos baseemos no conhecimento biológico do cérebro, assim como este interage com os mais diversos sistemas de um organismo. Nada seria possível caso não ocorresse, à medida que se avançam os estudos da mente humana, a tecnologia de ponta, uma vez que o cérebro apresenta características estruturais muito próprias, o que o distingue dos mais diversos animais.

O cérebro humano organiza-se segundo determinadas funções, que lhe conferem um carácter único. Para além disto, o cérebro humano apresenta-se como o maior e com mais circunvoluções, o que lhe fornece um aspeto enrugado, de todas as espécies de animais. Devido a isto, é então necessário compreender-se a especialização funcional do cérebro, ou seja, como é que o cérebro se organiza segundo as funções que tem de desempenhar.


Hemisférios Cerebrais

O cérebro humano, tal e qual como o de vários mamíferos, encontra-se divido em dois hemisférios, hemisférios direito e esquerdo, separados por uma fissura longitudinal, mas ao mesmo tempo ligados por um sistema de fibras nervosas, denominadas de corpo caloso. Exteriormente, estes dois hemisférios são cobertos por uma camada cinzenta, córtex cerebral, que possui cerca de 3 a 4 milímetros de espessura. É neste córtex cerebral onde residem as capacidades superiores dos seres humanos.

O estudo destes dois hemisférios cerebrais já provém de há muito tempo atrás. Através de diversos estudos foi concluído que cada hemisfério desempenha funções diferentes. Para além disto, compreendeu-se ainda que cada hemisfério cerebral controla a parte oposto do corpo, devido ao cruzamento de feixes nervosos que conduzem a informação até aos músculos. Desta forma, o hemisfério direito do cérebro controla a parte esquerda do corpo, enquanto que o hemisfério esquerdo do cérebro controla a parte direita do corpo. Esta diferenciação de funções em cada hemisfério cerebral, facto que não ocorre no resto dos animais, é denominado de lateralização hemisférica.

Tal e qual como foi dito os dois hemisférios possuem funções distintas:

  • Hemisfério Direito - Controla a formação de imagens, as relações espaciais, a perceção das formas, das cores das tonalidades afetivas e o pensamento concreto.
  • Hemisfério Esquerdo - Responsável pelo pensamento lógico, pela linguagem verbal, pelo discurso, pelo cálculo e pela memória.

Uma vez que os hemisférios não se comunicam, então o hemisfério direto não produz informação verbal, permanecendo totalmente silencioso.

Nota: As mais funções e capacidades de cada hemisférios cerebral foram estudadas por diversos neurocientistas, no entanto os mais célebres são John Sperry, Joseph Bogen e Philip Vogel. Estes neurobiologistas efetuaram inúmeras cirurgias em doentes  epiléticos, por forma a diminuírem as consequências desta doença nos pacientes. Para que isto ocorresse, seccionou-se a estrutura do corpo caloso, por forma a impedir a atividade elétrica. Este corte levou ao aumento da qualidade de vida dos pacientes, no entanto trouxe consigo algumas consequências não previstas, como a incapacidade de reconhecer objetos quando pegados com a mão esquerda. Isto acontece, pois a parte que controla a mão esquerda do indivíduo é o hemisfério direito e este não possui o reconhecimento de objetos através da memória.

Contrariamente ao que se pensava antigamente, os hemisférios cerebrais, mesmo separados por uma fissura longitudinal e tendo funções completamente distintas, estão em constante interação. Desta forma, o cérebro humano é caracterizado como uma estrutura complementar entre hemisférios e extremamente complexa. Esta interação deixa possível, por exemplo, atribuirmos significado a expressões verbais ou mesmo a conversas. Quando discursamos com alguém, o hemisfério esquerdo encarrega-se de da produção do discurso, enquanto que o hemisfério direito dá a entoação ao discurso produzido.


Lobos Cerebrais

Os hemisférios cerebrais, para além de estarem divididos em dois, hemisférios direito e esquerdo, encontra-se ainda cada hemisfério dividido em quatro lobos, integrando cada um áreas corticais com funções determinadas:

  1. Lobos Occipitais
  2. Lobos Temporais
  3. Lobos Parietais
  4. Lobos Frontais

Apesar de cada área do cérebro se encontrar especializada numa função, estas apresentam uma complementaridade e coordenação tremendas para que seja possível realizar determinados processos. 

Lobos Occipitais

Os lobos occipitais encontram-se na parte inferior do cérebro, cobertos pelo córtex cerebral, sendo então esta área denominada também de córtex visual, uma vez que processa os estímulos visuais. Após passarem pelo tálamo, os dados visuais recebidos do exterior vão ser processados pelas várias subáreas do lobo occipital, havendo assim zonas especializadas em processar a visão da cor, do movimento, de profundidade, de distância, entre outros.

Após serem percebidos e processados por esta área, área visual primária, vão ser transmitidos para a área visual secundária, também denominada de área visual de associação. É nesta área onde será armazenada toda a informação, permitindo, mais tarde, comparar a informação, o que leva à identificação de, por exemplo, cães, cavalos, canetas, carros, entre muitos outros animai ou objetos.

Caso esta área do cérebro sofra uma lesão será então provocada uma agnosia. Esta agnosia consiste na impossibilidade de reconhecer objetos, palavras e, em alguns casos mais severos, caras de pessoas ou conhecidas ou mesmo familiares.

Lobos Temporais

Os lobos temporais encontram-se na zona por cima das orelhas. Este lobo tem como função processar os estímulos auditivos. Os sons produzem-se quando a área auditiva primária é estimulada. tal e qual como os lobos occipitais, é uma área de associação (área auditiva secundária) que recebe dados e, em complementaridade com o resto do cérebro, lhes atribui um significado, permitindo reconhecer o que ouvimos.

Uma lesão nesta área do cérebro pode levar à dificuldade de lembrança de certos sons, melodias, músicas, o que pode levar, por exemplo, à dificuldade de uma pessoa cantar.

Lobos Parietais

Os lobos parietais encontram-se localizados na parte superior do cérebro, sendo constituído por duas subdivisões:

  • Zona Anterior ou Córtex Somatossensorial - É uma área primária e é responsável por possibilitar a receção das sensações, como o tato, a dor, a temperatura, entre outros. Nesta área primária, uma vez que recebem os vários estímulos com origem no ambiente, estão representadas todas as áreas do corpo. São as zonas que ocupam mais espaço nesta área, pois têm mais dados para interpretar. Os lábios, a língua e a garganta recebem um grande número de estímulos, pelo que é necessário uma +área ainda maior.
  • Zona Posterior - É uma área secundária que analisa, interpreta e integra as informações recebidas pela área primária. esta área dá-nos então a capacidade de localizarmos o nosso corpo no espaço, o reconhecimento dos objetos através do tato, entre outros.

Uma lesão nesta área pode levar à dificuldade na perceção de certas sensações ou mesmo à perca total das sensações sentidas.

Lobos Frontais

Os lobos frontais encontram-se localizados na parte da frente do cérebro, correspondendo a cerca de 1/3 do seu volume total. Este lobo frontal é responsável pelas atividades cognitivas que requerem concentração, pelos comportamentos de antecipação, planificação de atividades, pelo pensamento abstrato, pela memória de trabalho e pelo raciocínio complexo. Para além disto, intervêm na regulação das emoções. 

Os lobos frontais estão divididos em diversas partes, sendo uma delas o córtex motor. Este córtex encontra-se na parte dos lobos frontais e é responsável pelos movimentos de responsabilidade dos músculos. Tal e qual como acontecia no córtex somatossensorial ou área primária dos lobos parietais, também aqui as partes diferentes partes do corpo têm uma representação proporcional ao tipo demovimentos que têm de executar. Deste modo, a língua e os lábios ocupam uma grande parte deste córtex, uma vez que a linguagem falada exige um grande conjunto de movimentos, assim como o polegar, devido aos movimentos muito finos que tem de executar.

Áreas Pré-Frontais

As áreas pré-frontais, também denominadas de córtex pré-frontal, localiza-se na parte anterior do lobo frontal, ou seja, localiza-se anteriormente do córtex motor primário. Este córtex pré-frontal desempenha as funções mais fundamentais e interessantes de todo o nosso organismo, estando intimamente ligado com o nosso comportamento e raciocínio. A área pré-frontal está responsável pelas funções intelectuais superiores de um indivíduo, que distingue a nossa espécie de muitas das outras. Deste modo, estas áreas estão relacionadas com a memória, o que nos permite recordar o passado, planear o futuro, antecipar acontecimentos, refletir, tomar decisões, resolver problemas, entre outros, o que leva à possibilidade de criarmos o nosso próprio mundo, as nossas próprias escolhas e decisões que nos diferem enquanto humanos. Para além disto, este córtex permite-nos tomar consciência das ações realizadas, sendo então o grande organizador do pensamento reflexivo e da imaginação.

Mesmo que estas áreas estejam intimamente relacionadas com as ações humanas, assim como o seu planeamento e consciencialização, estão também relacionadas com as emoções, sentimentos e estados de espírito de um indivíduo, pelo que uma lesão nesta área pode levar a mudanças drásticas de personalidade.


Lesões nos Lobos Frontais

O caso mais conhecido de acidentes é o caso de Phineas Gage. Phineas Gage era um funcionário dos caminho de ferro americano que nasceu a 9 de julho de 1823 e morreu a 21 de maio de 1860 com 37 anos. Gage, em 1848, havia sofrido o acidente mais traumático de todos os tempos, aquando tinha apenas 25 anos, o que acabou por torná-lo famoso. Nesta data, haviam sido colocados explosivos com ajuda de uma barra de ferro para abrir um caminho numa rocha onde Gage trabalhava. Após a explosão, a barra de ferro utilizada pelos trabalhadores acabou mesmo por atravessar-lhe a cabeça, penetrando-lhe pelo queixo, arrancando-lhe o olho esquerdo e saindo pela parte superior do crânio. Gage foi rapidamente assistido num hospital próximo, acabando por sobreviver durante 12 anos, no entanto, com inúmeras consequências.

Após o acidente, Gage sofreu uma alteração drástica na sua personalidade. Gage era conhecido por ser um homem calmo, educado, trabalhador e esforçado. Após o acidente de trabalho, Gage começou a ter uma postura muito mais arrogante, tendo atitudes que antigamente não se demonstravam. Gage começou-se a irritar constantemente com tudo o que acontecia, inclusive quando o contrariavam, apresentava-se de forma grosseira e rude, estando constantemente furioso. Gage acaba por ter uma vida avassaladora, uma vez que perde o seu emprego e acaba a sua vida a vaguear pelas ruas de Nova Iorque e pela cidade de Nova Iorque. Após a sua morte, em 1860, o seu cérebro foi conservado no Museu da Escola de Harvard, sendo posteriormente analisado e estudado por uma casal português: António e Hannah Damásio. Este casas portugueses, após analisar o cérebro de Gage, concluiu que as áreas afetadas pela barra de ferro haviam sido as áreas situadas mesmo na fronte da caixa craniana, não afetando nem a linguagem nem a motricidade. Desta forma foi então necessário estudar e explicar a relação entre esta zona e a personalidade. 

António e Hannah Damásio decidiram, após as conclusões retiradas do acidente de Gage, comparar este acidente com um caso de um dos seus pacientes, Elliot. Elliot era uma pessoa de 30 anos que, devido a um tumor, teve de retirar um parte do córtex o que levou a uma alteração efetiva da sua personalidade, tais como uma indiferença afetiva, mesmo pelos seus entes queridos, e uma incapacidade de organizar atividades ao longo do dia, perdendo imenso tempo em atividades insignificantes.

Damásio, no seu livro mais popular, "O erro de Descartes", afirma, contrariamente a Descartes, que as emoções podem ser um guia das nossas escolhas. Por exemplo, o simples facto de termos medo (emoção) impede-nos de nos meter em situações arriscadas ou mesmo perigosas para nós. São exatamente estes estudos de Damásio que vão levar à conclusão entre as relações do córtex pré-frontal e as emoções.

Damásio explica que as relações entre o córtex pré-frontal e as emoções dão-se nos dois sentidos:

  1. O córtex apoia-se nas informações emocionais para tomar decisões adaptadas e assertadas.
  2. O córtex controla as nossas pulsões ou impulsos, impedindo-nos de reagir de uma forma inadequada a uma situação, tal como os dois casos anteriormente estudados. Desta forma, o córtex funciona também como um inibidor de emoções

Desta forma, caso ocorra uma rutura entre o centro emocional, denominado de sistema límbico, e o córtex frontal, ou seja, as informações não se processa das duas formas, então estamos perante uma alteração de personalidade que leva à indiferença afetiva, tal e qual como Elliot. Por outro lado, caso o controlo sobre as emoções não exista, leva-se a um comportamento impulsivo e descontrolado, tal e qual como o caso de Phineas Gage.


Especialização e Integração Sistémica

Tal e qual como foi possível observar, ca área do cérebro encontra-se extremamente especializada. No entanto, não se pode formular a ideia de que cada área se encontra isolada uma das outras… Antigamente, formulou-se a ideia de que o cérebro apresentava-se dividido, ou seja, as funções de cada lobo e área cerebral apresentavam-se compartimentadas sem haver interação entre o cérebro. Contrariamente a essa ideia, atualmente, surgiu a ideia de que o cérebro funciona como um todo, como uma complexa rede funcional. Desta forma, todas as capacidades e funcionalidades que o cérebro apresenta, desde as mais simples às mais complexas são a consequência de uma complementaridade das várias áreas cerebrais.

O cérebro humano apresenta áreas extremamente especializadas com determinadas funções. Porém, esta localização não compromete o funcionamento integrado do cérebro e as suas conexões com outras estruturas do organismo, evidenciando até uma certa eficiência nas suas mais variadas funções.

Para além disto, constata-se que existem mecanismo que apenas são possíveis devido à interação constante das várias áreas cerebrais. Este facto é explicado pela plasticidade que o cérebro apresenta ao longo da vida. A redundância das funções cerebrais explicam o facto de outras regiões do cérebro poderem substituir as funções afetadas pelas lesões cerebrais.

Dado isto, podemos concluir que o cérebro funciona de uma forma sistémica, isto é, o cérebro é um conjunto complexo de elementos em que as componentes especializadas que o constituem (várias áreas cerebrais) são interdependentes, funcionam de uma forma integrada. O cérebro é assim caracterizado como um sistema unitário que trabalha como um todo de forma interativa com uma dinâmica própria.

Plasticidade Cerebral

É exatamente este funcionamento sistémico e interativo entre as várias áreas cerebrais, que tornam o cérebro o objeto de estudo mais complexo do ser humano, oferecendo-lhe uma capacidade extraordinária.

Para além disto, devido ao funcionamento sistémico, o cérebro apresenta uma certa plasticidade, que origina dois mecanismos fundamentais no cérebro humano:

  • Função Vicariante ou de suplência - Mecanismo adaptativos de compensação de funções perdidas. É devido a este mecanismo que é possível ao cérebro recuperar certas funções que haviam sido perdidas devido a lesões no cérebro. Estas funções são, geralmente, recuperadas por zonas cerebrais próximas à zona cerebral lesionada.
  • Plasticidade Desenvolvimental - Diz respeito à adaptação progressiva das estruturas e funções neurais, ocorrendo em simultâneo com a maturação cerebral

Auto-organização Permanente

O papel do meio, após o nascimento, cai ser extremamente decisivo no desenvolvimento do cérebro, uma vez que os estímulos do exterior conduzem em grande parte os processos de adaptação que se traduzem na formação e desenvolvimento do cérebro. Desta forma, os estímulos do meio ambiente, assim como o efeito dos genes, atuam de forma concentrada no sentido do desenvolvimento do cérebro, sendo este processo auto-organizado.

Todo este processo de auto-organização através de estímulos do meio ambiente e de genes não acabam na adolescência como durante muito tempo se defendeu. Este processo prolonga-se ao longo da vida. Este processo de auto-organização da formação de tecidos cerebrais continuam a desempenhar um papel importante nas aprendizagens mais elaboradas e especializadas do ponto de vista cultural.


Estabilidade e Mudança nos Circuitos Sinápticos

Ao longo de muito tempo imaginou-se que o desenvolvimento do cérebro dar-se-ia pela formação de maiores e mais complexas redes neuronais no cérebro. Porém, com inúmeros estudos foi comprovado que essa teoria era falaciosa e que na verdade o desenvolvimento e maturação do cérebro dá-se devido ao corte de ligações nas redes neuronais que nascem connosco, uma vez que se encontram embaraçadas e num total caos. Ao longo da nossa vida o cérebro baseia-se por uma regra bastante simples: "Se não usa, corta", eliminando então as ligações neurais que não precisa ou que não utiliza, havendo também a consolidação de algumas destas redes neuronais. Todo este processo de seleção de redes neurais está relacionado intimamente com o potencial genético da espécie e com fatores epigenéticos.

No caso dos fatores epigenéticos, após o nascimento, as experiências do sujeito cristalizam-se sob a forma de ligações sinápticas entre neurónios, designando-se este processo de epigénese. Desta forma, as redes neurais modificam-se ao longo da vida consoante também estímulos do meio ambiente.

Esta estabilidade e mudança dos circuitos sinápticos vai levar ainda a uma característica bastante única no ser humano. Se um indivíduo exerce mais especificamente certas atividades, então determinadas zonas passam a ter um maior importância. Este fator leva a que, por exemplo, um pianista tenha a zona que controla os dedos mais desenvolvida do que os restantes indivíduos, levando a um processo extremamente importante no ser humano, o processo de individualização.


O Cérebro e a Capacidade de Adaptação e Autonomia do Ser Humano

Como já vimos anteriormente, a forma adulta de organismo vivos, assim como os seus comportamentos, encontram-se geneticamente determinados, como é o caso dos invertebrados. Nestes casos, o desenvolvimento do indivíduo não é nada mais do que a execução da informação genética, havendo mesmo uma aproximação extrema do fenótipo e do genótipo.

Lentificação e Desenvolvimento Cerebral

Após imensos estudos, analisou-se que o desenvolvimento do cérebro humano comparado com o desenvolvimento do sistema nervoso central de outros mamíferos, ocorria de uma forma muita mais lenta. O mesmo estudo foi feito entre órgãos distintos do ser humano, comparando neste caso o cérebro humano aos vários órgãos vitais do ser humano, retirando-se novamente a conclusão de que o cérebro humano se desenvolvia de uma forma mais lenta.

Como já estudamos anteriormente, o ser humano é um ser prematuro comparado com outros mamíferos. O ser humano à nascença, apresenta uma imaturidade ou até mesmo um certo inacabamento biológico, levando então a um desenvolvimento pós natal, ou seja, um amadurecimento lento. No entanto, como vimos anteriormente, é exatamente esta lentidão no desenvolvimento que lhe trará inúmeros benefícios e vantagens, uma vez que possibilita a influência do meio e, portanto, uma maior capacidade de aprendizagem.

É precisamente este inacabamento biológico, que traz consigo o carácter embrionário do cérebro, que permite, mesmo na fase adulta, a adaptação biológica do indivíduo. Tal e qual como estudamos anteriormente e tivemos ainda a hipótese de visualizar num documentário em aula "Um cérebro brilhante", a resposta aos estímulos do meio, que é caracterizada pela necessidade de adaptação, produz modificações sinápticas e renovação dos neurónios adultos.

Contrariamente a outras espécies, o carácter imaturo do cérebro humano prolonga-se ao longo da vida, o que constitui em si uma vantagem. Esta característica única do ser humano é também responsável pela capacidade de modificar ligações sinápticas e renovar neurónios adultos, como foi visto anteriormente.

Individuação Cerebral

Desde há muito tempo que o cérebro humano é um dos objetos de estudos mais fascinantes na ciência e nas mais variadas disciplinas. Antigamente, concebia-se a ideia do cérebro humano ser modelizado, ou seja, ser igual para todos os indivíduos da nossa espécie. No entanto, após várias investigações, chegou-se a uma ideia completamente distinta da anterior. Hoje, vigora a posição de que o cérebro é um órgão que apresenta múltiplas configurações, não havendo cérebro idênticos uns aos outros, nem mesmo o de gémeos homozigóticos.

Ao longo dos estudos foram analisadas diferenças como a estrutura das aptidões mentais, que se devem em grande parte às formas diversas dos cérebros humanos. Estas diferenças encontram-se, em parte, pré-programadas pela diferente expressão dos genes que conduzem a diferentes desenvolvimentos dos tecidos nervosos. No entanto, estes processos são impossíveis de serem apenas afetados geneticamente. Para além de serem afetados geneticamente, estes processos são também influenciados por todas as experiências dos indivíduos, iniciando-se mesmo nas experiências intrauterinas e incluindo todas as experiências pelas qual um indivíduo tenha passado ao longo de toda a vida. Deste modo, ocorre um dos fenómenos mais espetaculares do desenvolvimento do ser humano, denominado de individuação, ou seja, de distinção.

Como já foi visto, as experiências do indivíduo marcam em grande parte as estruturas físicas do cérebro, levando às tais discrepâncias dos vários cérebros humanos, tornando-o único. Deste modo, o principal motor da individuação é nada mais nada menos do que a plasticidade do cérebro, ou seja, a capacidade do cérebro de se modificar e alterar ao longo da vida segundo as experiências vividas pelo sujeito.

Deste modo, contrariamente ao que ocorre em outros seres vivos, cujo programa genético impede que haja a tal variabilidade, o ser humano deixa lugar dentro do seu programa genético aberto para que ocorra variação individual. Sendo assim, o desenvolvimento individual é considerado um processo histórico, uma vez que as experiências vividas pelo sujeito influenciam e modificam várias estruturas físicas.

Plasticidade e Aprendizagem

Como foi referido anteriormente, concebia-se a ideia, há algumas décadas atrás, de que todo o funcionamento do cérebro, assim como o do sistema nervoso central, encontrava-se geneticamente pré-definido. Basicamente, seria um programa genético que acabaria por controlar todas as funções das várias áreas do cérebro em todos os indivíduos da espécie humana, para além de serem também consideradas as conexões cerebrais imutáveis. Todas estas ideias surgiram muito da localização sistemática das várias zonas cerebrais nos vários indivíduos humanos, uma vez que se podia localizar sempre a área visual no mesmo lugar, assim como o córtex sensorial e motor, entre outros.

Defendia-se também que a capacidade e força máxima do cérebro eram atingidos no fim da puberdade, levando consequentemente à sua constante degradação ao longo dos anos após esta época.

No entanto, após as várias investigações feitas nos últimos anos, conclui-se que o cérebro é uma estrutura muito mais maleável do que o que se pensava, podendo mesmo alterar-se com a sua relação com o meio, alterando-se assim com as várias experiências do indivíduo, as suas ações, percepções e até mesmo comportamentos. Desta forma conclui-se que o cérebro não era então geneticamente pré-determinado, mas que através das relações com o meio, produzia modificações que levavam a uma adaptação cada vez mais eficaz.

Esta capacidade de se modificar e alterar designa-se por plasticidade e ocorre ao longo de toda a vida, porém, principalmente, estas modificações ocorrem mesmo nos primeiros meses de vida. A plasticidade cerebral é então a capacidade do cérebro de modificar e reformular consoante as experiências vivenciadas pelo sujeito, levando até mesmo à alteração das conexões essenciais do cérebro em função das necessidades e dos fatores do meio ambiente. Efetivamente, será esta plasticidade fisiológica que levará à aprendizagem ao longo de toda a vida.

Mas quais foram as Investigações da Plasticidade Cerebral?

Primeiramente, teremos de citar que foram elaboradas imensas investigações com o objetivo de comprovar a plasticidade cerebral nos seres humanas ao longo de toda a vida. No entanto, foi realizada uma investigação sobre cegos na década de 90 no século XX, pelo neurobiologista Álvaro Pascual-Leone, que exemplifica de forma excelente a plasticidade cerebral.

Na década de 90, o neurobiologista hispano-americano, juntamente com toda a sua equipa, investigou o efeito produzido no cérebro dos cegos adultos que começaram a aprender braille. Com estes estudos concluiu-se que a região do córtex somatossensorial lateral teve um aumento de volume notável. Esta verificação veio provar a neuroadaptabilidade cerebral. No entanto, o neurobiologista decidiu que iria mais longe, comprovando mesmo que as informações que provém do dedo que lê  braille de um cego ativavam também as partes do córtex visual. Desta forma, deduziram que nos cegos adultos as novas conexões neuronais ocuparam as áreas cerebrais disponíveis que não eram utilizadas, sendo neste caso, a área visual.

Para além disto, foram feitos estudos com base nas "crianças selvagens" anteriormente descritas. Susan Curtis, uma investigadora na área da linguística, acompanhou Genie, o caso mais conhecido de todas as "crianças selvagens" e que chocou o mundo nos anos 70 do século XX. Genie era uma criança que durante 13 anos esteve sequestrada e isolada da sociedade pelo pai, levando a que a criança não falasse, entre muitas outras consequências. Através de estudos, Susan Curtis descobriu que a área esquerda do cérebro, que está encarregue pela linguagem encontrava-se extremamente pouco desenvolvida. A ausência da estimulação no momento certo para a aquisição da linguagem impedira o cérebro de desenvolver as estruturas próprias. Após um intenso treino específico, Genie começou a desenvolver muito lentamente a linguagem, limitando-se a usar formas elementares de comunicação verbal. 

Por fim, a função vicariante do cérebro, que frequentemente ocorre em crianças, demonstra também a tal plasticidade cerebral, devido à forma de suplência que certas áreas do cérebro atuam quando outras sofrem lesões que comprometem as capacidades do cérebro.

Todas estas investigações e estudos levam à fixação da ideia de que a própria ideia de "localização cerebral" sofreu alterações, abandonando-se a concepção de que os comportamentos humanos, desde o mais simples ao mais complexo, encontram-se localizados em certas regiões determinadas pelo córtex cerebral. Para além disto, comprovaram ainda a plasticidade do cérebro e a importância do meio ambiente para o desenvolvimento e adaptação do mesmo. Este carácter plástico do cérebro leva-o então à capacidade de aprendizagem ao longo da vida. A aprendizagem é o principal instrumento da adaptação humana, que se manifesta nas mais diferentes realizações sociais, tecnológicas, científicas, culturais, entre outras.

Cultura


Fatores no processo de tornar-se humano

"O ser humano é um ser biologicamente social" é uma das frases que resumirá todo este capítulo, citada pelo filósofo H. Wallon. Esta citação demonstra extremamente bem como os contextos sociais ou culturais particulares modelam um organismo tornando-o humano. Esta característica única de se tornar humano provém exatamente da aprendizagem de formas artilhadas e reconhecíveis de ser e de nos comportarmos.

Para além destas características únicas ao ser humano, foi também a sua capacidade de alterar o meio em que vive, adaptando-se a ele e adaptando-o a si, que permitiu a sobrevivência da nossa espécie, assim como uma evolução contrastante com o resto dos seres vivos. A prática destas capacidades únicas ao ser humano levou assim à cooperação e coordenação entre seres humanos como é o caso do aparecimento da pintura, de capacidades de comunicar segundo uma língua com regras e características rígidas, a escrita, entre muitas outras, surgindo então a criação de modos particulares de ser e viver em conjunto, em sociedade.

Desta forma, o ser humano, em estreita relação com o meio e com as necessidades da sua adaptação tem vindo a criar um mundo que constitui o ambiente de suporte e proteção para os seres humano e das suas formas de vida. Deste mundo construído surge ainda a parte mais única do ser humano, a organização segundo sociedades que se baseiam na existência de uma cultura, conferindo então características únicas e humanas ao indivíduo.

Noções de Cultura

A cultura, tal e qual como já deve ter ouvido a sua definição anteriormente, é o sistema que tanto nos seus aspetos simbólicos como materiais constitui o ambiente de proteção do indivíduo na sua relação com o mundo, sendo capaz de o transformar e de se transformar. Esta cultura é então um conjunto de crenças, leis, artefactos, valores, regras, costumes, entre outros, representando uma totalidade onde se conjugam estes diversos elementos materiais e simbólicos. Todos estes conjuntos únicos da cultura dispõem-se na nossa sociedade de forma organizada e dinâmica, havendo então a influência mutua entre cada uma destas características.

Na totalidade cultural, os diversos elementos estão profundamente interligados entre si, influenciando mutuamente a forma e o conteúdo uns dos outros. Desta forma, os elementos simbólicos, como é o caso das crenças, dos valores e das normas sociais, encontram-se exprimidos, ou seja, materializados nas múltiplas produções culturais, isto é, as várias criações e inovações culturais de cada sociedade. Alguns exemplos desta materialização são, por exemplo, a criação do dedal e da agulha, de certos tipos musicais, como o fado, os elétricos, as diferentes formas de plantar ou até mesmo em termo de conceções sociais, como a expectativa de a pessoa que cozia roupa seria mulher.

 O ambiente cultural em que nascemos +e extremamente moldador das nossas ações e comportamentos, estando explícito em todos nós, como no caso de nos vestirmos, do que fazemos, do que pensamos ou mesmo sentimos. No entanto, o ambiente cultural e a cultura em si não são completamente moldadores daquilo que somos ou dos nossos processos psicológicos. Para além de sermos produtos da cultura, somos também os seus produtores, ou seja, por um lado somos caracterizados pela nossa cultura que muda em parte a nossa personalidade, forma de pensar, entre outras ações, porém também somos capazes de alterar e transformar a cultura em que estamos inseridos, fazendo com que esta esteja então em constante alteração e não seja uma "regra fixa". A influência entre os processos psicológicos e a cultura é mútua, dinâmica e permanente, ocorrendo ao longo de toda a nossa vida. Deste modo, um indivíduo começa automaticamente a ser moldado pela cultura, pela forma que vê o mundo, como se corta o seu cordão umbilical, como é lavado e segurado, entre outros aspetos, tendo também a capacidade, posteriormente, de alterar e modificar a cultura em que está inserido.

As Crianças Selvagens

O caso das "crianças selvagens" permite-nos perceber melhor o papel da cultura na definição do que é ser-se humano.

Durante as aulas de Psicologia já ouvimos várias vezes falar de "crianças selvagens", assim como exemplos destas crianças selvagens, no entanto nunca definimos o que realmente são estas crianças. "Crianças selvagens" são consideradas as crianças que cresceram privadas de todo o contacto humano, ou cujo estes contacto humano foi extremamente restrito e mínimo, e, consequentemente, tiveram uma pouca interação com a cultura em que se encontravam inseridas. Estas crianças encontram-se isoladas do mundo, ou, em alguns casos, como o de Victor de Aveyron, na companhia de animais, devido a situações de abandono, por estarem perdidas ou mesmo por abusos, até serem recolhidas por outros seres humanos. Normalmente, as "crianças selvagens" acabam por viver durante menos tempo do que um humano que tenha vivido em condições consideradas normais.

Este tipo de crianças, quando são encontradas, apresentam sempre grandes atrasos no seu desenvolvimento para a sua idade, apresentando, geralmente, linguagem mímica. Para além disto, podem ainda apresentar certos gestos e linguagens que remetam para um comportamento animal, como o rosnar de um leão ou mesmo o uivar de uma alcateia, apresentando comportamentos semelhantes aos animais com que conviveram. A sua linguagem verbal será extremamente reduzida, variando, obviamente consoante os casos, dependendo da duração deste isolamento e na idade em que começou. Para além disto apresenta ainda comportamentos sociais extremamente desregulados para os outros seres humanos, apresentando uma certa incapacidade de expressar sentimentos, como rir, chorar, empatia, entre outros e uma dificuldade no controlo emocional.

Todas as características destas crianças levam a que seja difícil reconhecer a sua humanidade. Todas estas características, assim como os modos como se relacionam com os outros e com o Mundo provocam-nos uma certa estranheza , torando-se difícil de nos relacionarmos com elas e elas connosco. As suas capacidades, características dos corpos e as frequentes cicatrizes e marcas, não só a nível físico como também psicológico mostram-nos como dependemos de outros, do contacto físico e sociocultural com eles, para que então nos possamos tornar os seres humanos que somos.

Os exemplos mais célebres destas crianças selvagens são então a menina Genie, que viveu isolada de todo o mundo, tendo apenas um pequeno compartimento onde vivia, brincava e dormia, tendo apenas uma cama e um penico, nunca tendo usado qualquer tipo de roupa, sendo apenas descoberta aos 13 anos de idade. O menino Victor de Aveyron, que foi abandonado numa floresta e criado por animais no século XIII em França, sendo apenas descoberto e adotado pelo cientista francês Jean Marc Gaspard Itard. Amala e Kamala que foram criadas por lobos no ano de 1920, na Índia. Por fim, temos então a menina portuguesa Isabel, que foi isolada durante 8 anos pela mão num galinheiro, sendo resgatada pela Segurança Social devido ao aviso de vizinhos. Todas estas crianças apresentavam comportamentos e características não consideradas "normais", assim como um retrocesso enorme no seu desenvolvimento, tudo devido à privação que tiveram do contacto físico e sociocultural com a sociedade.

Culturas

Sabendo que a cultura é o conjunto de maneiras de fazer e de viver de um determinado grupo, desta fazem parte os vários modos de relacionamento entre as pessoas, ou seja, tudo aquilo que para um determinado grupo, constitui o ambiente humanamente construído como as ideias, os objetos, os valores, entre outros. Desta forma, são extremamente diversos os seus elementos e as suas manifestações.

A cultura não é algo que se encontra imutável ou inalterável, até pelo contrário, varia com no tempo e no espaço, com as épocas e com os momentos históricos, assim como varia de ligar para lugar. Sendo assim, não existe apenas uma cultura, mas várias.

Todas as comunidades existentes apresentam uma diferente cultura. Estas diferentes culturas vão-se traduzir em diferentes formas de se organizar e integrar, em formas de viver em conjunto, os acontecimentos históricos locais, as suas necessidades e ainda as suas exigências do meio onde vivem, variando consoante a comunidade. Devido a isto, mesmo questões  essenciais a todas as culturas, como a forma de se alimentarem, a forma de sobreviverem aos imprevistos do meio, entre muitas outras, vão receber respostas diferentes dependendo da cultura analisada.

A resposta às necessidades e situações não se encontra unanime, mas sim extremamente variada. Sendo assim, conclui-se que não existe cultura, mas sim culturas, manifestando-se assim a diversidade cultural.

Padrões Culturais

Como foi possível compreender, cada comunidade ou grupo social especifica a cultura de forma particular e distinta de ser e de viver. Ao conjunto de crenças e valores comuns aos membros de uma determinada cultura dá-se o nome de padrão cultural. Os padrões culturais encontram-se expressos na forma como nos vestimos, como nos alimentamos, com o que é que nos alimentamos, que emoções devemos exprimir em cada lugar, como é que nos devemos comportar em cada local, entre outros.

Geralmente, esta expressão de padrões culturais passa quase como despercebido no nosso dia-a-dia, devido à sua forte presença, fazendo com que nem tenhamos consciência da sua existência. A forma como pensamos, como sentimos, como nos vestimos, o que achamos bonito ou feio, entre outras características são extremamente influenciáveis pela cultura a que pertencemos.

Deste modo, é necessário, quando interagimos com qualquer indivíduo, ter em conta os seus padrões culturais, uma vez que o significado e a importância com que executam certas ações e atividades, assim como se comportam pode depender do contexto cultural onde se desenvolveram (diversidade cultural). Para percebermos melhor, pensemos no exemplo da alimentação. Para alguns povos a alimentação de carne de vaca é algo regular e normal, enquanto que para outros é uma repugnância inimaginável, quase que um pecado moral e social. Para além disto, temos ainda o exemplo da dança, onde para alguns povos, a dança está relacionada com a expressão de alegria e de felicidade, enquanto que noutros pode ser uma forma e comunicar com entidades supranaturais, podendo ainda estar relacionados com pecado ou forma de seduzir, consoante o contexto cultural.

Mesmo assim, é importante realçar que os padrões culturais não se encontram totalmente fixos e imutáveis, podendo variar não só pela ação criadora, produtora de cultura, de cada um dos membros, como também pelo contacto com outras novas culturas.

Conceito de Aculturação

A aculturação é compreendida como os processos que decorrem do contacto entre elementos culturais, ou entre pessoas pertencentes a diferentes culturas ou etnias. A aculturação diz respeito ao conjunto de fenómenos resultantes do contacto contínuo entre grupos de indivíduos de culturas distintas. Devido a isto, é também responsável pela mudança e alteração dos padrões culturais de ambos os grupos que decorrem desse contacto.

Desta interação entre diversas culturas dá-se, normalmente, a criação cultural, onde surgem novos hábitos, novas matérias-primas, novos alimentos, entre outros, no entanto também pode resultar na destruição de elementos cultuais.

Hoje em dia, este fenómeno de aculturação é claramente evidente, falando-se de uma sociedade global, resultante da interação constante entre indivíduos com culturas distintas devido ao turismo, às viagens, às emigrações, comunicações, entre outras. É importante referir que a aculturação ocorre tanto em grupos maioritários como minoritários, levando às constantes alterações culturais, provindas da necessidade de reagir e adaptar-se àquilo que de novo as desafia.

Socialização

A forma como cada um de nós aprende e interioriza os padrões de comportamento, as normas, as práticas e os valores da comunidade em que se insere é denominado de socialização. Esta interiorização não só permite a integração de cada pessoa no grupo sociocultural, como também a reprodução deste mesmo grupo e das suas formas de organização.

A partir de um determinado grupo sociocultural, cada pessoa adquire modos de fazer coisa e modos de se comportarem, que são esperados dentro do grupo a que pertencem. Estes indivíduo não só participam na integração dos valores, normal e práticas deste grupos sociocultural, como também trabalha ativamente na produção, recriação e transmissão dos seus padrões culturais e de socialização.

É exatamente neste processo dinâmico de aquisição e de produção que se pode compreender o que realmente é a socialização. Por um lado, a socialização designa-se pela forma como cada pessoa interioriza e aprende os elementos socioculturais do grupo a que pertencem, enquanto que por outro, estes indivíduo participam, agem e se comportam em diversas relações, práticas e costumes.

A socialização ocorre durante toda a vida, porém, normalmente, é habitual dividi-la em dois tipos:

  1. Socialização Primária
  2. Socialização Secundária

Socialização Primária

A socialização primária é responsável pelas aprendizagens mais básicas da vida do ser humano. Este tipo de socialização baseia-se na captação e aprendizagem dos comportamentos considerados adequados e reconhecidos como forma de pensar, sentir, fazer e exprimir, determinadas pelo grupo social em que estão incluídas. Ocorre com muita intensidade nos períodos de grande crescimento e desenvolvimento e caracteriza-se por estarem incluídos em grupos pessoais com grande intimidade entre os vários membros, como a família, a vizinhança, as escolas primárias, entre outros. Estes grupos são denominados de grupos primários, uma vez que fazem parte da socialização primária, estando marcado bastante o discurso informal. Ao longo desta fase aprendem-se comportamentos como:

  • Hábitos de cuidado do corpo
  • Regras de relacionamento entre as pessoas
  • Hábitos alimentares

Socialização Secundária

A socialização secundária ocorre sempre que a pessoa tem de se adaptar e integrar em situações sociais específicas, normalmente, novas para o indivíduo. Ao longo da nossa vida, temos de nos adaptar a novas situações, assim como os diferentes tipos de relações que intensificam o processo de socialização contínuo. Geralmente, esta socialização secundária encontra-se marcada pela alteração de estatuto ao longo da vida, tal como a mudança de escola, o primeiro emprego, a passagem à reforma, entre outros. Por outro lado, também pode ser marcada por alterações drásticas na sua vida, como o nascimento de um filho ou a perda de um familiar. Qualquer um destes processos são situações que exigem às pessoas novas adaptações e novas aprendizagens. Exigem, a todos os seres humanos, uma nova forma de ser e de estar, uma adequação incontornável às novas tarefas, novos papéis, novas relações, entre outros, ou seja, aos novos contextos socioculturais e experiências de vida que delas surgem.

Esta socialização secundária, tal e qual como o nome indica, surge em grupos secundários. Alguns destes grupos secundários são as empresas e as associações que irão criar oportunidades e desafios que implicam aprendizagens novas e uma adaptação dos indivíduos à sua nova realidade social, devido à necessidade de desempenho em novos papéis.

Obviamente, e tal e qual como já devem ter percebido, as oportunidades de mudança provindas da experiência de cada indivíduo, assim como o meio sociocultural em que agimos ou atuamos, torna a integração dos diferentes acontecimentos, aprendizagens e significados culturais na história pessoal de cada indivíduo única.

A História Pessoal: Fatores Internos e Externos

Ao longo do estudo da Psicologia temos visto que o ser humano é um ser em constante evolução biológica, que se encontra em constante aprendizagem em conjunto com os outros, fazendo parte de uma sociedade e cultura. Deste modo é necessário sempre enquadrar um ser vivo no seu meio sociocultural.

Para além disto, vimos que o ser humano encontra-se influenciado mútua e fundamentalmente pelos aspectos biológicos e socioculturais. Apesar disto, é importante realçar que o ser humano, enquanto ser com capacidade de autodeterminação, escapa a esta tal determinação biológica e sociocultural.

História Pessoal

Um ser humano, desde o nascimento, adquire um certo número de competências, assim como um conjunto de experiências através do contacto entre os outros: pais, irmão, familiares, entre outros. Estas experiência deixam marcas na nossa forma de ser e de estar de cada um de nós, fazendo cada vez mais diferença e importância, tornando-nos únicos e distintos de todos os outros. É exatamente estas diferenças e esta capacidade de ser único que marcam a nossa história pessoal

Cada um de nós apresenta uma história de vida singular que nos individualiza, cria histórias pessoais distintas. Reconhecemo-nos como humanos (identidade específica) que faz parte de uma cultura ou sociedade (identidade cultural) trazendo-nos uma história de vida única (identidade pessoal).

Cada um de nós apresenta uma história pessoal constituída por acontecimentos localizados no tempo e no espaço, como o tipo de brincadeiras aquando éramos crianças, o primeiro amigo, as festas de anos, entre outros. Embora a nossa história seja semelhante à dos nossos amigos, principalmente aqueles que nos acompanharam ao longo de toda uma vida, não se repete ou não se iguala com mais nenhuma outra. Isto acontece porque a história pessoal de um indivíduo faz-se à medida que se constrói, vivendo-a e experienciando-a. Deste modo, a história pessoal integra a componente genética, os fatores do meio e as experiências pessoais. Por outro lado, apenas somos o que somos devido à interação com os outros, ou seja, devido às relações sociais existente, que nos dá a hipótese de conhecer os outros, assim como nos conhecermos a nós mesmos.

Papel dos Significados

Como foi possível observar anteriormente, as experiências vividas por cada sujeito, como é o caso dos encontros amorosos, a ausência de familiares ou amigos, a presença destes mesmo, entre outros, marcam a história de cada um de nós de forma única. Porém, uma realidade semelhante a dois sujeitos, pode ter interpretada e encarada de formas diferentes.

Em todos os momentos da nossa vida encontramo-nos face a um mundo no qual participamos e encontramos formar diferentes de conhecermos outros e de nos conhecermos nós mesmos. A ligação que cada um estabelece entre as várias experiências faz-se através da atribuição de significados. É através do significado que cada um dá às várias situações que surge a individualização e singularidade de cada sujeito.

Desta forma, um filme, uma atitude de um professor, uma visita de estudo, entre muitas outras situações, terão significados diferentes para as diferentes pessoas, o que levará à singularidade da sua história. 

Imaginemos o seguinte exemplo: A necessidade ou o querer andar na escola pode ter vários significados... Podemos andar na escola porque nos dá segurança, porque é onde estão os nossos amigos, porque os resultados que obtemos garantem uma certa segurança académica, entre outros fatores. O significado que cada aluno atribui à situação de andar na escola levará, obrigatoriamente, à compreensão da necessidade dessa situação. Compreender porque é que andamos na escola é compreender o sentido que se lhe atribui e os significados que tem para cada um de nós. 

Experienciamos inúmeras situações no mundo enquanto seres ativos. Destas experiências encontramos significados para as nossas ações e pensamentos. É com base nos significados que lhe atribuímos que o ser integra a sua forma pessoal de ver, sentir e agir sobre o mundo, obtendo-se assim o carácter subjetivo da forma como as situações e os acontecimentos são vividos e encarados. Ocorre então desta forma, um movimento do sujeito para o exterior, uma vez que o sujeito atribui significados pessoais às experiências que vive, no entanto, também ocorre movimentos em sentido oposto, já que as experiências vividas são interiorizadas e integradas na individualidade de cada um.

Desta forma, a história pessoal desenrola-se com base em fatores externos e internos, entre o objetivamente percebido e o subjetivamente construído pelo sujeito.

Auto-Organização e Criação Sociocultural

Sabemos que o ser humano é um ser ativo na procura dos significados pessoais, dando-lhe a possibilidade de criar e manterem uma sequência e um sentido de temporalidade das suas experiências e, consequentemente, da sua história pessoal. Para além disto, é também um ser que se produz na sua própria história, nas suas experiências e nos seus encontros com o mundo, agindo não só sobre si, mas também sobre todos os outros e o contexto sociocultural que o rodeia, participando de uma forma ativa na construção do mundo.

Ao longo da nossa vida, através do contacto com o mundo, criamos os nossos próprios significados, significados pessoais. Porém, o mundo onde habitamos não é um mundo vazio e, devido a isto, existem nele todo o tipo de significados culturais, de histórias preexistentes e regras, entre outros.

Desta forma, o ser humano é uma criação sociocultural. Através do encontro com tudo o que se constitui como a nossa experiência, somos capazes de ordenar e organizar toda a nossa história, pensando, sentindo e atuando ativamente nela, através da ação dos nosso esquemas organizadores. É através desta ação que se torna possível a integração e organização das nossas experiências.

Para além disto, os seres humano surgem como um ser auto-organizado, uma que agem de forma a criar ordem e sentido a partir de um conjunto de experiências. É exatamente esta ação dos processos auto-organizados nas mais variadas experiências que permite ao ser humano construir-se agindo ativamente no mundo, organizando o seu envolvimento com o mundo. Estas ações dão-nos então a capacidade de integrar as experiências vividas da nossa história pessoal, organizando-as e atribuindo-lhe significados, permitindo assim a construção de forma permanente da continuidade e coerência de um sentido de nós próprios e do mundo. Esta característica de continuidade dá-nos a hipótese de, por exemplo, relacionar o que aconteceu no passado com o que está a acontecer no presente ou ainda de manter o reconhecimento de que dia após dia continuamos a ser a mesma pessoa e que o nosso mundo ainda é o nosso mundo.

Através dos processos de auto-organização, as diversas experiências são integradas na história pessoal, adquirindo um significado. O ser humano adquire assim um um sentido de coerência e continuidade a partir da diversidade de experiências e significados. Estes significados, assim como as histórias pessoais criadas, mantêm-se, mudando continuamente num mundo que muda connosco e no qual participamos.

A modo como encaramos as ocorrências e os acasos da vida, o significado que lhes atribuímos, a forma como as representamos, o modo como as superamos ou não constroem a nossa forma de ser e de estar. Um exemplo da importância da atribuição de significados nas experiências vividas é o Diário de Anne Frank, onde se pode ver a vivência de uma guerra (2º Guerra Mundial) aos olhos de uma criança, assim como o significado que esta atribui a cada um dos acontecimentos.

Enquanto seres capazes de agir sobre os seus contextos e experiências, o ser humano, devido à capacidade de auto-organização, não só cria, em parte, a sua história pessoal, como também transforma o seu ambiente físico e sociocultural.

Desta forma, os seres humanos são seres capazes de autonomia, ou seja, seres capazes de participar da determinação e transformação de si e dos seus ambientes socioculturais. Porém, mesmo sendo seres capazes de autonomia, esta autonomia surge devido à ramificação de várias ações, outras histórias, situações ou mesmo significados que circunscrevem determinadas possibilidades e favorecem outras.

Adaptação e Autonomia

Como nos é sabido, a adaptação de muitos animais baseia-se na capacidade de se adaptarem ao meio, como é o caso dos ursos polares, que sobrevivem ao frio extremo devido à espessura e à camada grossa da sua pele, ou dos as aves, que tem ossos ocos para poderem voar, uma vez que as tornam mais leves. No entanto, não podemos associar este processo como uma forma mecânica, considerando os seres vivos apenas organismo reativos que respondem às condições ambientais e às pressões dos meios.

No caso do ser humano, o ser humano não apenas age sobre os estímulos como os interpreta e transforma de acordo com as suas necessidades. Desta forma, as características do ser humano emergem e desenvolvem-se dependendo sempre da interação entre o meio ambiente e o organismo, ou seja, ocorre uma integração na experiência do organismo proveniente da interação com o meio e a sua pressão. Desta integração surge os processos de auto-organização e de autonomia, como já estudamos. Devido a estas características que tornam únicas o ser humano somos incapazes de caracterizar o ser humano como um ser passivo ou meramente reativo ao meio.

A adaptação processa através da interação entre o ser vivo e o meio, como já vimos. Não existem apenas os desafios do meio ambiente para o ser humano, como o ser humano desafia e age sobre o meio ambiente, levando à sua transformação. Desta relação entre o ser humano e o meio, assim como os seus contextos, através do processo de adaptação, resultam diversas histórias evolutivas.  Entre estas histórias evolutivas e no modo como as novas capacidades e o seu exercício podem alterar a interação entre ser humano e o seu contexto, forma-se um novo caminho de transformação, um caminho de evolução.

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