Conteúdos Programáticos II
Neste separador colocarei todos os tópicos abordados durante o período letivo referentes ao tema 2 do livro adotado (PSI para SI).
A Mente
Desde há muitos séculos que o estudo do cérebro e da mente têm fascinado muitos pensadores, podendo ainda destacar-se alguns pertencentes a épocas bem longínquas, como é o caso de Buda, por volta do século VI, Confúcio ou até Sólon, pertences a épocas próximas da de Buda. Muitos autores atuais consideram até que foi nesta altura em que a mente surgiu como objeto de pensamento, algo semelhante ao que hoje realizamos.
Mesmo que o aparecimento da Psicologia, enquanto disciplina seja datado há pouco mais de 100 anos, houve um grande número de pensadores e investigadores que foram produzindo, ao longo de vários séculos, teorias, assim como realizar descobertas que em muito ajudaram a perceber o mundo e, consequentemente, o ser humano e a sua mente.
A Mente: Processos cognitivos, emocionais e conativos
Ao longo do tempo, com o aparecimento de várias ideias e teorias, a concepção sobre o que é a mente e, consequentemente, a forma como percebemos os seres humanos e as suas experiências anteriores, tem vindo a sofrer algumas alterações. Durante muito tempo, a mente foi um objeto de estudo recusado e afastado do núcleo da Psicologia, no entanto, após várias pesquisas mais recentes, tem-se novamente reabilitado a ideia da mente como fator extremamente importante para a compreensão do ser humano e de tudo o que com ele está relacionado, estando hoje em dia no centro de investigação e reflexão da Psicologia.
O Saber, o Sentir, o Fazer
Durante muito tempo, a mente foi estreitamente relacionada com o raciocínio, a dedução ou até mesmo os juízos e conceitos. Desta forma, a mente seria a atividade consciente ao pensamento, normalmente referida como totalmente independente dos sentimentos, emoções, desejos e afetos. A mente estaria, deste modo, na base da produção do conhecimento científico e nada mais…
Com as novas e mais recentes investigações da neurociência, compreendeu-se que a mente não estaria simplesmente relacionada com a dimensão cognitiva do ser humana, implicando também a afetividade, os sentimentos, a ação e a emoção. Deixou-se então a ideia a dimensão dos sentimentos ou da emoção não seria um obstáculo ao conhecimento, uma vez que mesmo em tarefas cognitivas, como a tomada de decisão, estão implícitos processos emocionais. Sendo assim, a mente estaria relacionada aos processos cognitivos e emocionais, sendo considerada uma manifestação total de processos dinâmicos que se encontram em constante interação de forma complexa, ou seja, os processo mentais implicam-se de forma mútua e de forma integrada para o bom funcionamento do sistema humano.
Os processos mentais estão assim divididos em três tipos:
- Processos Cognitivos: Encontram-se relacionados com o saber e com o conhecimento, assim como à criação ou à transformação e utilização de informação integrada do meio interno e externo. Está associado à pergunta "O que?" e, por este mesmo motivo, encontra-se relacionado com a perceção, a memória e a aprendizagem.
- Processos Emotivos: Encontram-se relacionados com o sentir. Está marcado pela subjetividade e são os estados vividos do sujeito, ou seja, correspondem às vivências de prazer e desprazer e à interpretação das relações que temos com as pessoas, objetos e ideias. Está associado à questão "Como?", onde iremos estudar a emoção, o afeto e o sentimento.
- Processos Conativos: Encontra-se relacionado com o fazer. Neste tipo de processos expressam-se ações e comportamentos. Correspondem assim à dimensão intencional da vida psíquica, estando intimamente associados à questão "Porquê?". Nestes processos conativos estão relacionados os conceitos de intencionalidade, tendência e esforço de realização.
O Carácter Específico dos Processos Cognitivos
Em todos as tarefas que o ser humano realiza é necessário haver a interação mútua de vários processos metais. No caso de ler um texto, por exemplo, é necessário haver a utilização, essencialmente, da perceção, memória, linguagem, emoção, inteligência, entre outros. Atividades como esta formam a cognição, que se baseiam em todo o conhecimento humano e animal sob diferentes aspectos: perceção, aprendizagem, memória, consciência, atenção, inteligência, entre outros. A cognição é então o conjunto de mecanismos pelos quais um organismo trata, conserva e explora a informação adquirida.
No entanto, pensando na existência de todos estes processos e a forma como se interligam, surge uma questão central: saber como se organiza e constrói todo o conhecimento que temos do mundo que nos rodeia. Os processos cognitivos, como já foi referido são complexos, uma vez que passam por todo um conjunto de receção, filtração, organização, modelação e necessidade de reter os dados que nos provêm do meio, os estímulos.
Sendo assim, de todos os processos cognitivos, iremos abordar os três mais importantes para a compreensão desta nossa questão tão intrigante:
- A Perceção: Designa todos os conjuntos de mecanismos fisiológicos e psicológicos cuja função geral é a apreensão de informação proveniente o meio ou do próprio organismo.
- A Aprendizagem: Modificação relativamente estável do comportamento ou do conhecimento, que resulta, experiência, treino ou estudo.
- A Memória: Retêm conhecimentos, informações, ideias, acontecimentos e encontros. Serve ainda de suporte a todos os processos de aprendizagem.
Perceção
No nosso dia-a-dia visitamos imensos locais onde há todo um mundo físico que nos rodeia, composto por imensas pessoas e objetos. Imaginemos que decidimos um dia aproveitar uma manhã fresca para tomar um café na pastelaria mais próxima com um amigo… Através da visão iremos receber informações que nos situam no lugar onde nos encontramos, que reconhecemos. Para além de reconhecer através da visão, irás certamente ouvir o teu amigo que come o saboroso pastel de nata e que coloca a conversa em dia. No entanto, caso decidas deslocar a tua atenção, irás aperceber-te de todos os barulhos e ruídos que te rodeiam, como as imensas conversas entre os vários clientes, o barulho das máquinas de café ou até mesmo o ruído produzido pelos carros que circulam na estrada mais próxima. No meio de toda esta azafama de sentidos és ainda capaz de sentir o cheiro imenso de café ou até mesmo o conforto da cadeira macia de pano amarela em que te sentas.
Como pudeste observar, foi graças aos órgãos dos sentidos que foste capaz de identificar as várias cores, formas, sons texturas, aromas e ambiente.
Sendo assim, com base em todos estes sentidos, conseguimos registar algumas das percepções que nos dão informação acerca do meio ambiente que nos rodeia. A perceção é, deste modo, um processo cognitivo pelo qual contactamos com o mundo pelo facto de exigir a presença do objeto, ou seja, da realidade a conhecer. Através da perceção, organizamos e interpretamos as informações registadas pelos órgãos dos sentidos (informação sensorial). No entanto, mesmo que te pareça simples e automática todo este mecanismo da perceção, este é um mecanismo extremamente complexo.
Sucintamente, a perceção designa-se por todos os mecanismo fisiológicos (recetores sensoriais) e psicológicos (experiências pessoais) cuja função é a apreensão de informação proveniente do meio ou do próprio organismo.
Sensações e o Processo Percetivo
O conhecimento que nós, seres humanos, adquirimos do mundo são construídos por diferentes sistemas sensoriais: pelos cinco sentidos (visão, olfato, audição, tato, paladar), sendo ainda composto pelo sentido de equilíbrio e dos movimentos corporais. Todos estes modos de interação distintos com o mundo são processados de forma paralela pelos sistemas sensoriais, que apenas são visíveis em determinados tipos de estímulos.
Mesmo que a recepção dos estímulos seja efetuada de forma distinta pelos vários órgãos dos sentidos, existem três elementos em comum:
- O estímulo físico
- A sua tradução em impulsos nervosos
- A resposta à mensagem como perceção
A perceção é tudo um processo complexo que se inicia nos órgãos recetores, que são sensíveis a estímulos específicos, tendo o nome desta detecção e receção dos estímulos de sensação. Grande parte das entradas sensoriais são percebidos como uma sensação identificada com um estímulo específico. Todo este estímulo específico será traduzido posteriormente, então em impulsos nervosos, que são conduzidos, seguidamente, ao sistema nervoso central e processado então pelo cérebro.
Como podemos perceber, o mundo rodeia-nos de estímulos. Deste modo, a nossa relação direta com o meio encontra-se condicionada pela sensibilidade dos nossos recetores sensoriais. Estes recetores sensoriais não são idênticos em todos as espécies, o que explica a incapacidade, por exemplo, de visualizarmos raios ultravioleta e infravermelhos, mesmo que alguns pássaros e insetos sejam capazes de os ver ou até mesmo a incapacidade de ouvir ultra e infrassons, algo que o morcego e o cão, respectivamente, conseguem fazer naturalmente.
Sendo assim, as sensações são nada mais nada menos do que a simples receção dos estímulos, através da receção passiva dos estímulos pelos órgãos sensoriais, funcionando como um processo inato ao ser humano. Por outro lado, a perceção não é apenas a experiência "simples" dos estímulos, uma vez que para o processo perceção ocorrer é necessário que haja a interpretação das informações sensoriais recebidas. Deste modo, imaginemos que captamos um cheiro de um perfume numa sala de aula. A sensação fornece-nos apenas a informação e a captação simples do odor. Por outro lado, a perceção acabará por interpretá-lo dar-lhe um sentido e um significado, reconhecendo-o e acabando mesmo por produzir uma sensação de bem ou mal-estar no teu organismo, sendo ainda este sentimento acrescido dependendo da pessoa o usa.
Desta forma, a perceção, contrariamente à sensação, é um processo complexo que necessita da receção ativa do sujeito, sendo caracterizada como uma atividade cognitiva que não se baseia apenas no registo da informação sensorial, como é o caso das sensações, mas que acaba mesmo por implicar a atribuição de sentido, dependendo de muitos fatores internos e externos, como é caso das nossas experiências passadas. É exatamente por este motivo que um local, como uma sala de aula, pode ter diversas conotações ou mesmo significados dependendo da pessoa que a frequenta, variando, por exemplo, relativamente ao professor que dá a aula, aos alunos, sendo o seu local de aprendizagem, ou mesmo pais, onde possam eventualmente participar de uma reunião escolar.
O Processo Percetivo
Como foi visto, as informações recebidas são, posteriormente, enviadas para diferentes áreas do cérebro, onde serão representadas, sendo então cada sistema sensorial especializado em determinado tipo de informação. No entanto, mesmo que a informação recebida e interpretada seja representada no nosso cérebro, isso não indica que a realidade do que nos rodeia seja demonstrada como um conjunto unificado e contínuo, como se toda a realidade fosse captada de forma direta, surgindo assim como uma ilusão.
Deste modo, não só todo o processo da captação da realidade não é direto, como as perceções não se apresentam como cópias idênticas do mundo. O que acontece de facto é uma representação mental, assim como uma espécie de imagem da realidade, e não um espelho ou uma fotografia exata da realidade que nos rodeia, como muitas vezes podemos pensar.
Caso pensemos na perceção visual, que é a mais complexa e a grande fonte de informação sobre o mundo, estas ideias apresentam-se todas de forma mais simples. Na perceção através da visão, há todo um processo biológico complexo em que o estímulo visual é transformado, não se representando como um ecrã ou slide no nosso cérebro, ou seja, não se representa no nosso cérebro de forma exata, concreta e objetiva. Os estímulos luminosos captados pelos órgãos sensoriais da visão, que sensibilizam a nossa retina, são codificados em impulsos nervoso e, posteriormente, transmitidos pelos nervos óticos às áreas visuais do córtex, processando-o como uma representação subjetiva da realidade.
Para se perceber nesta ideia, analisemos uma imagem com o Efeito Thatcher:
Quando olhamos para um rosto, analisámo-lo na sua totalidade e não nas suas partes constituintes e por este mesmo motivo é que, de início podemos pensar que as imagens se encontram totalmente iguais. No entanto, caso olhemos com uma maior atenção, iremos perceber que alguns elementos do rosto se encontram invertidos, tendo então ocorrido um processo percetivo.
Durante muito tempo foi assimilada a perceção visual a uma máquina fotográfica. Contudo, este processo de perceção é extremamente complexo, não correspondendo à comparação feita entre a perceção do ser humano e uma câmara fotográfica. Em muitos aspectos a perceção visual distingue-se das capacidades da máquina fotográfica:
- A imagem projetada a duas dimensões transformar-se numa imagem a três dimensões?
- A capacidade de reconhecermos um objeto como sendo o mesmo, se na retina surge em diferentes tamanhos e distâncias?
Porém, a perceção visual não é de todo semelhante à máquina fotográfica, já que não se regista as imagens de forma passiva, dando-nos todo um mundo tridimensional, estável e repleto de significados.
O cérebro será o grande responsável pela estruturação e organização da representação do mundo. É no cérebro que se dará então sentido a tudo o que vemos e ouvimos. Por isso é que se diz que no cérebro é onde se ouve, se sente o frio e o calor, os sabores, os cheiros, se vê, entre outros. Desta forma, a informação proveniente dos órgãos sensoriais é tratada pelo cérebro, sendo nesta estrutura do sistema nervoso que tudo ganha sentido e significado.
A Interpretação da Realidade e os Princípios da Perceção
Como foi possível compreender anteriormente com os mecanismos da perceção, a visão que temos do mundo não é uma reprodução concreta da realidade, mas sim uma interpretação subjetiva. Para se compreender melhor esta discrepância entre a realidade e a perceção, temos de ter em conta que a organização percetual, ou seja, a forma como percebemos e organizamos a realidade envolve um conjunto de aspectos que envolve: A distinção entre figura e fundo, os princípios de agrupamento das unidades percetivas, a perceção de profundidade e a constância percetiva.
Inicialmente abordaremos a constância percetiva que se encontra dividida em três grandes tipos:
- Constância do Tamanho: O cérebro interpreta os dados que recebe, mantendo constante o tamanho dos objetos. Deste modo, independentemente, da distância a que o objeto se encontre do sujeito, este irá ser capaz de visualizá-lo com o mesmo tamanho, visualizando, por exemplo, o tamanho de um lápis quer esteja a 1 metro de nós ou a 5 metros de distância.
- Constância da Forma: O cérebro é capaz de memorizar a forma de objetos com base em experiências passadas. Por muitas alterações que possam ocorrer na imagem retiniana, como, por exemplo, a luz, a incidência e o ângulo, somo capazes de distinguir e de reconhecer o objeto em questão. Estes processos dependem bastante de sistemas elaborados onde intervêm a experiência anterior do sujeito, as memórias armazenadas, as aprendizagens do sujeito e a capacidade de fazer inferências. Sendo assim, mesmo que se altere o ângulo de visão, somo capazes de reconhecer a forma de uma roda de um carro.
- Constância do brilho e da cor: A memória e a experiência retêm as características dos objetos, que são atualizadas quando os percecionamos mesmo em circunstâncias físicas distintas. Deste modo, é possível manter constante, por exemplo, o brilho e a cor de uma casa branca tanto de dia como de noite, ou a cor e o brilho da neve, independentemente da quantidade luz.
Para além da constância perceptiva apresenta-se também de extrema importância os princípios das unidades percetivas, que se dividem em quatro tipos distintos:
- Proximidade: O cérebro tende a reunir elementos espaço e temporalmente próximos.
- Semelhança: O cérebro tende a reunir elementos semelhantes na mesma configuração.
- Continuidade: O nosso cérebro apresenta uma preferência por formas harmoniosas e contínuas, ao invés de formas descontínuas e desarticuladas.
- Fechamento: Objetos que apresentam lacunas, através da nossa visão, tendem a ser representados como completos, mesmo que estes não surjam assim na realidade que nos rodeia.
- Pregnância (ou boa forma): Caracteriza-se como a capacidade e a facilidade com que temos de identificar e compreender visualmente um objeto. É a pregnância que define a rapidez com que percebemos e assimilamos um objeto, definindo a eficácia comunicativa da mensagem para com o receptor.
- Unidade: Traduz-se num elemento identificado de acordo com as suas características como a parte irredutível num compilado, através da sua cor, forma ou dimensão, complementando o princípio da pregnância.
- Segregação: Capacidade de evidenciar ou diferenciar objetos, mesmo que sobrepostos, através de pontos, linhas, planos, volumes, sombras, brilhos, texturas, relevos, entre muitas outras formas.
Por fim, temos então a perceção da profundidade. A percepção da profundidade é uma das muitas capacidades percetivas que é inata ao ser humano. O nosso cérebro mostra-se capaz desde a nascença de perceber a existência de uma diferença entre duas superfícies de precipício, afastando-nos do perigo. Este fator já foi comprovado com imensos estudos realizados, onde se comprovou que bebés tem a capacidade de perceber e entender a diferença de profundidade, resultando numa permanência na superfície alta ou então uma redução de batimentos cardíacos , o que leva a um aumento de atenção.
Como podemos observar com todos os princípios da interpretação da realidade demonstrados anteriormente, podemos concluir que a imagem que temos do mundo é construída e imaginada, ou seja, "corrigimos", de forma automática e mental, o conteúdo da nossa percepção por forma a manter a regularidade do mundo externo. São exatamente estas características da perceção que facilitam a nossa adaptação ao meio, demonstrando uma consistência do mundo que nos rodeia.
Para finalizar com os exemplos da perceção e da alteração daquilo que é representado no nosso cérebro e o que realmente é o mundo, daremos então o exemplo de algumas obras:
Caso analisemos a obra onde estão representados vasos, sendo esta ideia produzida pelo psicólogo dinamarquês Edgar Rubin, podemos analisar que apenas somos capazes de analisar, alternadamente, um vaso ou dois perfis, independentemente da imagem, mesmo que a imagem na retina seja única. Ainda que seja uma simples observação, esta análise necessita de um pequeno julgamento pela parte do cérebro, escolhendo uma referência e definindo o resto em relação a essa referência.
Escher, um artista plástico conhecido pelas suas obras com recorrência a alguns efeitos visuais, aquando analisava as obras de Edgar Rubin, referia-se com extrema importância à nossa atenção só selecionar uma parte da imagem, enquanto que o resto ficaria submergido pelo fundo, evidenciando a distinção entre a figura e o fundo.
Deste modo, concluímos que a perceção é então um processo cognitivo em que interferem estruturas fisiológicas, como é o caso dos recetores sensoriais e as estruturas dos sistemas nervosos, no entanto encontram-se extremamente evidentes, influenciando em grande parte a perceção, as nossas experiências pessoais, que dão o sentido e significado ao que percecionamos. Todo este processo necessita de ainda de uma receção ativa dos estímulos do exterior.
Analisando esta questão da perceção, devemos realçar que a captação destes estímulos encontram-se extremamente relacionados com a atenção e a motivação, filtrando os dados recebidos e apenas tratando alguns a nível consciente, ou seja, existem fatores como é o caso da atenção que exercem um processo de seleção de estímulos que nos permitem captar apenas alguns, aqueles que são mais significativos para nós, influenciando a perceção.
Para compreendermos na totalidade todo o processo percetivo, temos de ter em conta que a forma como percebemos o meio que nos rodeia são influenciados pelos nossos conhecimentos anteriores, das nossas necessidades, dos nossos interesses, valores e até mesmo de expetativas. Com isto reconhecemos então a subjetividade da nossa perceção do mundo não sendo representada de forma neutra e objetiva. A motivação e os estados emocionais influenciam também a forma como percecionamos e representamos o mundo, permitindo-nos mesmo antecipar consequências, prever acontecimentos ou mesmo prepararmo-nos para estes mesmos.
Por fim, é de destacar a importância da atenção, concentração e expectativas como fatores que influenciam a perceção. Em relação à atenção e concentração, somos incapazes de nos focar em várias coisas ao mesmo tempo, levando mesmo a que o simples processo de darmos atenção a algo condicione a nossa perceção, uma vez que de todos os estímulos são apenas selecionados os que mais nos interessam ou que se destacam mais à vista, por exemplo. Por outro lado, as expetativas afetará também a nossa perceção, uma vez que as nossas expetativas podem induzir-nos em erro. Um exemplo comum em que as expetativas influenciam drasticamente a nossa perceção ocorre quando estamos à espera de alguém durante algum tempo fazendo com que possamos confundir essa pessoa com outras que passem.
Perceção Social
A perceção social é designada como o processo que se encontra na base das interações sociais, ou seja, a forma como conhecemos os outros e interpretamos os seus comportamentos. É com base na perceção que temos das situações sociais, assim como os comportamentos dos outros que iremos regular e orientar o nosso próprio conhecimento, sendo então o conhecimento deste efeito social extremamente importante para a compreensão do fenómeno da perceção. Desta forma, a perceção social encontra-se relacionada com os grupos e contextos sociais em que a pessoa se encontra inserida.
Num grupo social, a realidade é muitas vezes construída através da atribuição de significados particulares à realidade física e social, sendo a visão do mundo afetada pelos significados atribuídos socialmente aos objetos, pessoas, situações e acontecimentos.
Esta perceção social traz consigo também fenómenos como a predisposição percetiva. Esta predisposição percetiva encontra-se presente de forma explícita, por exemplo, no facto do mesmo discurso ser dito a duas pessoas diferentes no mesmo tom de voz, no entanto, passado algum tempo, ambos contaram o acontecimento de forma distinta.
Para se estudar a predisposição percetiva da sociedade, refletindo então consequências como o efeito dos estereótipos e dos preconceitos foram realizados alguns estudos. O estudo mais conhecido acerca de estereótipos e preconceitos foi realizado no século XX, em meados da década de 50, por Allport, onde se fez uma experiência de realizar uma ilustração do interior de um autocarro onde se colocou um negro desarmado e, do seu lado, um branco armado com uma faca. Allport constatou, de uma forma surpreendente, que a esmagadora maioria afirmava que era o passageiro negro quem possuía a faca e não o passageiro branco.
Desta forma, os valores sociais e as experiências socioculturais influenciam o modo como se perceciona o mundo.
Perceção e Cultura
Como vimos anteriormente, os grupos sociais ou até mesmo o contexto social de uma pessoa influenciam de certo modo a sua perceção do mundo. No entanto, a nossa perceção do mundo pode também pode varia segundo a cultura e o contexto cultural em que a pessoa se encontra englobada. Durante muitos anos foram realizados alguns estudos e testes que confirmaram que a forma como um chinês, um europeu, um americano, um indiano, entre outros, percecionam o mundo é distinta.
Por forma a entendermos a influência da cultura na nossa perceção olhemos para o seguinte estudo:
Caso tentemos desenhar a imagem que acima se apresenta, poderemos ter alguma dificuldade, uma vez que a peça central do objeto parece existir e, simultaneamente, não existir, dependo do ponto em que nos focamos na imagem. Somo capazes até de não conseguir completar a tarefa na sua plenitude e totalidade… No entanto, estudos efetuados com tribos africanas, que não tenham tido nenhum contacto com a cultura ocidental, têm uma facilidade muito maior de desenhar o objeto. Isto acontece, pois a população da tribo africana não considera a figura inquietante reproduzindo-a com sucesso, enquanto que a população ocidental considera impossível um objeto como o acima representado ser desenhado a três dimensões.
A perceção de profundidade mesmo antes estudada pode ser afetada de igual modo pela cultura e pelos contextos culturais. Na figura seguinte encontrarás representado dois animais… Para ti qual é que está prestes a ser caçado pelo caçador com um arco e flecha?
Geralmente, os ocidentais tendem a afirmar que é o antílope que está prestes a ser caçado, uma vez que lhes parece estar mais perto pelo simples motivo de se apresentar em maiores dimensões, estando então o elefante, por parecer mais pequeno, mais longe do caçador. Por outro lado, membros de tribos africanos, que não estão familiarizadas com este indício de profundidade, tendem a afirmar que o caçador se prepara para caçar o elefante, uma vez que surge primeiro que o antílope na figura.
Deste modo, concluímos então que a perceção é um processo complexo que necessita, obrigatoriamente, duma receção ativa do sujeito, sendo caracterizada como uma atividade cognitiva que não se baseia apenas no registo de informação sensorial, mas que acaba mesmo por implicar a atribuição de sentido e significado. Para além disto, a perceção de um indivíduo é única, uma vez que é influenciada pela seletividade inicial dos estímulos, nunca esquecendo da existência de fatores internos (estados emocionais, experiências passadas, contexto social, motivação e contextos sociais e religiosos) e externos (profundidade, intensidade dos estímulos, movimento, contraste e incongruência). Para além disto, temos de ter em mente sempre o papel da sociedade e cultura, assim como os contextos socioculturais, na perceção e na interpretação do mundo e da realidade que nos rodeia. Desta forma, o mundo percecionado não reflete o mundo como o vemos, mas sim como o imaginamos e/ou construímos, sendo então a perceção única de cada indivíduo.
Memória
A memória é um dos processos cognitivos mais importantes da nossa mente, uma vez que é esta que assegura tudo aquilo que fomos, o que somos e o que seremos, assegurando com grande coesão a nossa identidade pessoal. É exatamente este processo mental que retém conhecimentos, informações, ideias, acontecimentos, encontros, entre outros, por forma a assegurarmos quem somos, como fomos e o que seremos.
Muitas vezes, a memória é apenas relacionada com o passado, no entanto esta ideia é completamente obsoleta. É a memória e a manutenção do passado que nos permite estruturar o presente e pensarmos no futuro, levando a que continuemos a aprender ao longo da vida novos conhecimentos, conceitos, sentimentos ou até mesmo experiências. Para além disto, a memória funciona ainda como um atualização da informação que possuímos do meio, levando a que tenhamos o conhecimento de não colocar, por exemplo, a mão na chapa do fogão. Aprendemos a lidar com o meio, no entanto a memória tem a capacidade de nos atualizar, sempre que precisamos, os comportamentos aprendidos adaptados a uma dada situação. Sendo assim, praticamente tudo o que fazemos e efetuamos necessita em parte do bom funcionamento da memória.
Antigamente, a memória era, de certa forma, subestimada e pensava-se que teria uma menor importância quando comparada, proe exemplo, com a inteligência. Porém, com o início do estudo da memória e da sua importância por alguns neurocientista de renome e por psicólogos da cognição, chegou-se ao consenso de que a memória, para além de apresentarem inúmeros processos inerentes que seriam impossíveis de se realizarem sem a memória, seria um dos processos mais importantes de toda a mente, estando na base de todos os processos cognitivos. A memória seria assim o pressuposto fundamental da cognição, ou seja, sem memória não existiria cognição.
Como podermos ver, a memória apresenta-se com extrema importância quando relacionada com a cognição, no entanto a memória encontra-se ligada e associada a muitos outros fenómenos e processos mentais. A representação do mundo que nos rodeia é também efetuada devido à memória. É com base na memória que quando nos relembramos de algo que não está no nosso campo de visão nos permite referenciar imagens, que não passam de representações (reproduções infiéis dos objetos ou realidades), que substituem os objetos, situações, acontecimentos, pessoas, entre outros. É por este mesmo motivo que de dia, quando nos lembramos ou nos falam da Lua, somo capazes de ter uma imagem mental de como é e como se representa.
Processos da memória
Como podemos imaginar somos "bombardeados" com imensa informação do meio que nos rodeia, sendo posteriormente traduzida em estímulos. Caso tentássemos captar todos os sentidos que nos rodeiam, seríamos incapazes, enquanto organismo, de funcionar na totalidade. Por este mesmo motivo é que o nosso organismo está preparado para filtrar os estímulos, recebendo e captando aqueles que se apresentam mais relevantes para nós. Ao longo do tempo foram efetuados estudos que comprovassem esta ideia, chegando ao século XX, na década de 90, em que Michael Gazzaniga chegou à conclusão que 99% da informação que entrava no cérebro era, imediatamente, posta de parte.
Sendo assim, o cérebro tem a funcionalidade de selecionar os estímulos que são mais importantes e que asseguram a própria sobrevivência do indivíduo ou da espécie. Caso o cérebro não fosse capaz de fazer esta filtração, seriamos incapazes de responder adequadamente ao que realmente é importante. É de notar que o que o cérebro considera importante ou não ocorre no processo percetivo, assim como no processamento da informação.
Desta forma, a informação é então recebida pelos órgãos dos sentidos, retida, durante uma pequena fração de tempo, e, posteriormente, processada e tratada. Sendo assim, iremos ter que analisar processos complexos que prevê:
- Codificação - Codificar a informação sensorial recebida.
- Armazenamento - Armazenar a informação.
- Recuperação - Recuperar e utilizar a informação no processo de interpretação e ação sobre o meio.
A memória será então o conjunto de processos e estruturas que codificam, armazenam e recuperam informações sensoriais e experiências. A memória é então a capacidade do cérebro de armazenar, reter e recordar a informação.
- Codificação: A codificação caracteriza-se como a primeira operação da memória, preparando as informações sensoriais para serem armazenadas no cérebro. Sendo assim, a codificação é um processo que consiste na tradução de dados num código, podendo este ser acústico, visual ou semântico.
Imaginemos a seguinte afirmação: "As laranjeira dá laranjas". Esta afirmação pode ser codificada de diferentes formas:
A) Codificação como uma imagem de sinais, que são letras - Código visual.
B) Codificação como uma sequência de sons - Código acústico.
C) Codificação como tomar consciência do significado e da afirmação e o que ela representa - Código semântico.
Este processo não se reporta apenas à preparação das informações sensoriais, como também se representa como aprendizagem deliberada, ou seja, aprendizagem de algo que exige esforço e que temos como objetivo memorizar. Sendo assim, a memorização implica uma codificação mais profunda. Após esta codificação, a informação é armazenada durante algum tempo.
- Armazenamento: As informações que memorizamos encontram-se registadas em várias áreas cerebrais , estando estas registadas em diversos códigos, contribuindo cada um deles para a recordação que necessitamos de evocar.
Imaginemos que te tentas lembrar da tua festa de anos do ano passado. Serias capaz, de certa forma, de te relembrar do local em que foi, quem estava presente, que presentes é que recebeste, o sabor do bolo, a cordas velas, entre outros. De certa forma até parece que esta memória se encontra guardada e armazenada no nosso cérebro e quando nos queremos relembrar de todos o cenário, a memória reproduz-se como um vídeo. Porém, como foi dito anteriormente, a memória armazenada não se encontra guardada numa só zona do cérebro, mas sim em várias, estando toda esta informação codificada de diferentes formas em diferentes áreas do cérebro.
Com a evolução da tecnologia foi possível confirmar esta ideia, analisando-se que cada vez que ocorre um processo de codificação ou mesmo de armazenamento, ocorrem modificações no cérebro, resultando em traços mnésico, designados por engramas. Cada engrama, produz modificações nas redes neuronais que, ao manterem-se, permitem que se recorde o que memorizou, sendo então um processo de fixação extremamente complexo, no entanto estando sujeito a modificações com o tempo. Para além do mais, para a informação se manter estável e permanente na nossa memória é necessário tempo.
- Recuperação: Para que seja possível entendermos o processo de recuperação, pensemos nas seguintes perguntas:
A) Quem são os teus pais?
B) Qual o nome da tua rua?
C) Qual a 2º Lei de Newton.
Para se responder às duas primeira questões (questões A e B), não precisamos de pensar sobre o assunto, sendo então quase que automáticas. Porém, quando se pensa na terceira pergunta (C), podemos perceber então todo o processo da recuperação, assim como a sua complexidade.
Primeiramente, teríamos de saber se realmente chegaste a aprender ou não as Leis de Newton para que então tenhas na memória qual a sua segunda Lei, associando esta designação à disciplina de Química e, mais especificamente, a determinado ano de escolaridade. Este primeiro passo é então o reconhecimento. Posteriormente, iriamos procurar qual o conteúdo desta lei de Química, sendo então a evocação. Apenas então após estes passos (ou outros que te sugerissem uma maior facilidade) é que serias capaz de te relembrar do seu enunciado (m=F.a)
A recuperação da memória encontra-se associada a muitos fatores que a tornam mais fácil ou difícil como, por exemplo, não reconhecer uma certa pessoa num contexto diferente daquele que foi inicialmente codificado na memória.
Memórias
Como podemos perceber com as nossas próprias memórias, o tempo que uma recordação perdura na nossa memória é extremamente variável. Se pensarmos por exemplo num evento marcante, como o nosso primeiro dia de aulas numa escola nova há alguns anos atrás, esta memória pode manter-se com alguma nitidez com o passar do tempo. Por outro lado, caso pensemos nos números do último concurso do Euromilhões que ouvimos há relativamente pouco tempo, podemos já não ter a capacidade de os relembrar com uma maior nitidez. Com isto, podemos concluir que não captamos e retemos todas as informações durante o mesmo tempo.
Por este mesmo motivo, sugeriu-se que se cria-se uma classificação quanto à duração da nossa memória, podendo esta ser dividida em dois tipos:
- Memória a Curto Prazo (MCP)
- Memória a Longo Prazo (MLP)
Memória a Curto Prazo
A memória a curto prazo (MCP) é caracterizada como a memória onde retemos a informação durante um período limitado de tempo. Esta informação, posteriormente, poderá ser esquecida ou então passar o segundo tipo de memória, memória a longo prazo.
A memória a curto prazo apresentam duas componentes que se distinguem, no entanto relacionam-se para o bom funcionamento do sistema:
- Memória imediata
- Memória de trabalho
Caso pensemos na memória imediata, tal e qual como o nome indica, a informação retida prolonga-se por um reduzido espaço de tempo (cerca de 30 segundos). Estudos apontam que este tipo de memória distingue-se pela capacidade de conservar cerca de sete unidades de informação ou elementos, podendo variar entre mais ou menos duas unidades de informação, ou seja, somos capazes de conservar entre cinco e nove unidades de informação. É de notar que uma unidade de informação corresponde a um dígito, letra ou palavra.
Por outro lado, o tempo que conservamos a memória provinda da memória imediata pode aumentar caso repitamos a informação mentalmente. Por exemplo, caso repitamos um número de telefone que nos acabaram de dar e que não tivemos a oportunidade de apontar, esta memória irá se conservar por um intervalo de tempo maior e encontrar-se-á na nossa memória enquanto for necessário. Simplificando, esta é a memória de trabalho. Na memória de trabalho somos capazes de manter a informação enquanto ela nos é útil através da repetição da informação que nos foi fornecida.
Na memória de trabalho, a informação pode-se manter durante horas na nossa memória. Caso, por exemplo, algum professor nos peça para apresentarmos um destacável ao nosso encarregado de educação, guardaremos esta informação até termos concluído a tarefa.
Desta forma, podemos perceber que a memória imediata e a memória de trabalho, mesmo apresentando certas distinções, são complementares, criando assim a memória a curto prazo.´
É importante realçar que a memória que tenhas estado na memória a curto prazo e tenha sido esquecida, estará perdida para sempre, apenas se mantendo na nossa memória caso transite para a memória a longo prazo.
Memória a Longo Prazo
A memória a longo prazo (MLP), contrariamente à memória a curto prazo, retém informações durante horas, meses ou até mesmo durante toda a nossa vida. Como podemos ver anteriormente, a memória a longo prazo é um tipo de memória que é alimentada pelos materiais ou informações da memória a curto prazo, sendo codificados em símbolos.
Na memória a longo prazo, consoante a forma como seja realizado o registo, armazena-se a informação em diferentes modalidades, podendo estas ser visuais, olfativas, auditivas, táteis ou ainda de linguagem e movimento. Foi através de imensos estudos com pacientes doentes e que apresentavam alguma lesão numa das áreas que se conclui que memórias com origens diferentes seriam então armazenadas em áreas diferentes do cérebro, apresentando todas as outras áreas ativas e funcionais. Contudo, as novas tecnologias têm vindo a mostrar que diferentes áreas do cérebro são ativadas quando se trata de recordar informações visuais, auditivas, motoras, entre outras.
Tal e qual como a memória a curto prazo, a memória a longo prazo também se divide em dois tipos, no entanto dependem de estruturas cerebrais distintas:
- Memória não declarativa
- Memória declarativa
Primeiramente, iremos abordar a memória não declarativa, também designada de memória implícita ou sem registo, como iremos explicar mais à frente. A memória não declarativa é um tipo de memória considerada automática, mantendo sempre informações subjacentes à questão "Como?". Por exemplo, caso pensemos "Como andar de skate?", "Como andar de bicicleta?" e "Como atar uns tênis?", todas estas perguntas encontram resposta na memória não declarativa.
A memória não declarativa encontra-se associada a comportamentos que quando desenvolvidos, não se tem consciência de que são realmente capacidades que dependem diretamente da memória. Apenas durante a aprendizagem destes comportamentos é que damos atenção a todos os detalhes e notamos que tomamos consciência dos vários comportamentos interligados que envolvem, por exemplo, andar de bicicleta ou atar cordões. Como podemos perceber, o exercício, o hábito e a repetição destes conjuntos de práticas tornaram estas atividades quase que automáticas e reflexas. Para além do mais, este tipo de memória apenas pode ser acedido agindo de alguma forma, por exemplo, é quase impossível explicar como atar os cordões de uns tênis apenas com palavras.. Geralmente, é necessário agir e exemplificar para podermos demonstrar como é que se faz.
Desta forma, a memória não declarativa distingue-se por ser implícita e sem registo, uma vez que para executarmos estes comportamentos essenciais à vida, no entanto dispensados de qualquer atenção, não necessitamos de nos localizar no tempo nem no espaço, não precisando também de qualquer reflexão e/ou reconhecimento, a não ser que nos perguntem especificamente onde e quem nos ensinou a fazer alguma destas atividades, como andar de skate. A memória não declarativa baseia-se então no comportamento que envolve a atividade motora.
Curiosidade: A leitura é também uma tarefa que se encaixa na memória não declarativa, uma vez que, mesmo que no início aprendamos a soletrar sílaba a sílaba e palavra a palavra, após imenso treino e prática, seremos capazes de ler livros com uma enorme velocidade.
Posteriormente, iremos analisar a memória declarativa, também podendo ser designada como memória explícita ou memória com registo. Contrariamente à memória não declarativa, esta implica a consciência do passado, do tempo, reportando a acontecimentos, factos, pessoas, entre outros. É com este tipo de memória que nos lembramos, por exemplo, dos heterónimos de Fernando Pessoa, a composição dos neurónios, o aniversário de um parente, ou até mesmo somos capazes de descrever certos fenómenos como as funções das áreas pré-frontais. à medida que abordamos alguns destes exemplos surgem-nos imagens mentais, palavras, frases, ou seja, conteúdos que realmente podem ser declarados através da escrita ou da fala.
A memória declarativa apresenta ainda dois subsistemas:
- Memória episódica
- Memória semântica
A memória episódica baseia-se em recordações, como o rosto de um familiar, amigos, ídolos, músicas preferidas, factos e ainda experiências pessoais. Desta forma, este tipo de memória é associada muitas vezes ao termo memória "autobiográfica", já que reporta a lembranças da vida pessoal, sendo caracterizada como uma memória pessoal, que manifesta uma relação íntima entre quem recorda e o que recorda.
Por outro lado, a memória semântica refere-se a conhecimentos e informações sobre o mundo como, por exemplo, leis de Química, factos histórica, fórmulas matemáticas, conhecimentos da área da Psicologia, regras gramaticais, conhecimentos de línguas estrangeiras, entre outros. Neste caso, a memória não se encontra relacionada há localização no tempo, uma vez que não está ligada a nenhum conhecimento ou ação específica, nem refere nenhum facto específico do passado.
Para exemplificar, pensemos na tabuada. O nosso conhecimento de que 7x7=49 pertence à nossa memória semântica. No entanto, caso associemos a quem te ajudou a decorar a tabuada do 7 foi o teu pai ou mãe, então esta memória já se encontrará relacionada com a memória episódica.
Por fim, dado que a memória dos factos tende a ser armazenada no contexto de um episódio da vida, é natural que, daqui a uns anos, nos lembremos de algum conhecimento de Psicologia associado à situação de aula que o aprendeste.
Memória Construída
Como vimos logo no início da temática da memória, quando evocamos um objeto, facto ou acontecimento, a sua representação na memória é uma representação infiel. Estas representações não são postais ilustrativos ou fotografias fiéis da realidade, uma vez que muitas destas podem estar associadas a experiências positivas ou negativas do sujeito, o que afeta o modo como as produzimos e/ou reproduzimos.
Se pensarmos neste caso, quando te dizem as palavras "Torre de Belém" e "Estátua da Liberdade", estas podem ser representadas com características diferentes. Para além disto, podes ainda visualizar alguma pessoa que sorri quando lhes é dito alguma destas palavras, já que lhe pode ter ocorrido um acontecimento afetivo nesse local de extrema importância.
Desta forma, podemos perceber que as representações implicam uma seleção de informação, a sua codificação, a associação a experiências anteriores ou ainda a acontecimentos relevantes.
Sendo assim, todas estas representações são guardadas pela memória, tendo a capacidade de serem ativadas sempre que necessário, estando marcadas pela experiência, pelas emoções, pelos afetos, entre outros. A realidade exterior ausente pode ser assim substituída por uma realidade interior mantida através da memória, que será entretanto modificada ao longo do tempo.
Processo Ativo
Contrariamente ao que podemos pensar, a memória humana não se compara à memória de um computador. Se guardares algum documento, por mais informação que tenha, num computador, esperas que daqui a alguns anos o consigas recuperar sem nenhuma dificuldade. No entanto, no caso da memória humana, as coisas processam-se de outra forma.
Como já referimos anteriormente, a nossa memória é incapaz de reproduzir os acontecimentos como se de um vídeo nítido se tratasse. Para além disto, a informação que apreendemos de um dado momento da vida é diferente, já à partida. Por este motivo é que se afirma que cada um de nós enquadra a informação nos conhecimentos que já temos, assim como os acontecimentos no contexto das nossas experiências e expectativas. Este fator pode ser explicito quando, por exemplo, uma professora manda ouvirmos uma história e, seguidamente, reproduzi-la exatamente como foi contada, algo que já nos aconteceu numa aula de Psicologia. A professora ao ler a história e, posteriormente, ao pedir que a reproduzíssemos tal e qual como a contou, obteve reproduções da história extremamente distintas da original contada. Isto deve-se aos alunos, enquanto ouvem a história, darem mais ou menos importância a um ou outro dado, a uma ou outra personagem ou até mesmo ocorrência. Para além disto, as histórias reproduzidas acrescentavam interpretações próprias, que poderiam resultar do reflexo da sua experiência, preocupações do momento, sentimentos, entre muitos outros fatores.
Como podemos analisar, a reprodução da nossa memória não é uma reprodução fiel e idêntica da realidade, mas sim uma reconstrução dos dados e informação que temos. Desta forma, a memória reconstrói os dados que recebe, dando mais relevo a uns e omitindo ou distorcendo outros. Para além disto, a um outro fenómeno que aumenta e contribui esta distorção e afetação das memória que pode acontecer: acontecimentos muito marcados pela emoção levam a que os pormenores se percam ou escapam ao sujeito. Nestes casos em que existem lacunas na memória, o cérebro tende a preenche-los, reconstruindo então a memória. Um exemplo disto é quando se via ditando uma história que aconteceu conosco, uma vez que há medida que a contamos acrescentamos um detalhe ou um pormenor, tornando-a, por um lado, mais elaborada, no entanto levando a que se torne difícil de distinguir o que se recorda do que realmente aconteceu. Por este mesmo motivo, a memória é então designada como um processo ativo, ou seja, dinâmico.
Mesmo assim, realcemos que todo este processo de reconstrução da memória é totalmente inconsciente, já que as representações que nos surgem na memória aparecem-nos tão claras, que acreditamos ser a verdadeira e fiel representação do que aconteceu. Desta forma se conclui que acontecimentos ou objetos visualizados por dois indivíduos distintos possam ter descrições não coincidentes por diferentes pessoas presentes. Porém, tudo isto não significa que as pessoas mintam. A descrição de uma acidente de automóvel, por exemplo, pode obter testemunhos divergentes, já que as diferentes pessoas registam na memória a sua interpretação do momento, que se encontra sempre afetada e "corrompida" por sentimentos, emoções, entre outros.
Sendo assim, concluímos que para além de existir uma memória individual, já estudada aqui, que define a condição de identidade individual de cada indivíduo, existe também uma memória coletiva, designada como a parte integrante da identidade de cada família, grupo social e nação. Um exemplo disto, é o passado. Do passado, retêm-se certos factos e esquecem-se outros, havendo uma seleção e idealização do passado. Monumentos e cerimónias que comemorem determinados acontecimentos têm como objetivo, por exemplo, manter uma memória de grupo, transmitida de geração em geração. Inúmeros psicólogos e sociólogos têm vindo a estudar o processo da reconstrução da memória social das nações ou de grupos sociais em que o desaparecimento de certos factos e a exaltação de outros tem como objetivo reforçar os laços sociais, sendo uma forma de definir assim a sua identidade. Muitos destes comportamentos se exemplificam nas famílias em que os passado surge como um conjunto de atos e acontecimentos exemplares e edificantes.
Esquecer para Memorizar
A maior parte das pessoas, ao definir esquecimento, irá relacionar com a incapacidade de recordar, de recuperar dados, informações ou experiências que foram memorizadas. Para além disto, saberemos sempre que este esquecimento pode ser provisório ou definitivo.
Como pudemos observar, geralmente, associa-se o termo esquecimento a um valor negativo, considerando-se muitas vezes como uma falha ou patologia da memória. Porém, contrariamente ao que se pode pensar, o esquecimento é essencial, sendo caracterizado com uma condição essencial para o bom funcionamento da memória. É através do esquecimento que possibilitamos o nosso cérebro a continuar a reter informações adquiridas e experiências vividas. Sem o esquecimento, seriamos incapazes de reter e conservar todas as informações que armazenamos, já que o esquecimento tem a função de selecionar conhecimentos anteriores, por forma a adquirirmos novos conteúdos. Desta forma, podemos observar que o esquecimento tem uma função seletiva e adaptativa. O esquecimento9 será então responsável pelo afastamento da informação que não nos é útil e necessária, afastando também conteúdos conflituosos para a nossa mente, que veremos mais à frente.
Segundo David G. Myers, "uma boa memória é útil, mas também o é a capacidade de esquecer".
Esta citação, remete-nos para aquilo que já afirmamos anteriormente: a memória não reproduz os dados tal e qual como armazenados. Sendo a memória um processo ativo, esta apresenta um carácter seletivo na medida em que nem toda a informação que retemos é guardada, apresentando também um carácter adaptativo, levando a que a informação guardada seja em parte transformada e alterada.
Quando referimos esquecimento, associamos sempre à memória a longo prazo, no entanto, o esquecimento também atua na memória a curto prazo. Neste caso, os materiais que se encontravam retidos por breve período de tempo podem ser apagados, como já foi referido, para que se possam reter novos dados ou então ser transferidos para a memória a longo prazo.
Existem inúmeros tipos de esquecimento associados ao dois tipos de memória, no entanto apenas abordaremos três deles:
- Esquecimento Regressivo
- Esquecimento Motivado
- Interferências das Aprendizagens
Esquecimento Regressivo
Pode ser classificado como esquecimento regressivo quando um indivíduo tem dificuldades em reter novos materiais e dados ou em reconhecer conhecimentos, factos e nomes aprendidos recentemente.
Este tipo de esquecimento deve-se, geralmente, pela degenerescência dos tecidos cerebrais, sendo sentida maioritariamente por pessoas de certa idade. Porém, estudos recentes demonstram que uma vida intelectualmente ativa e empenhada podem reduzir significativamente os efeitos deste envelhecimento.
Esquecimento Motivado
O esquecimento motivado surgiu de uma das concepções que Freud apresentou acerca do esquecimento na sua teoria sobre o psiquismo humano. Freud afirmava que nós esqueceríamos aquilo que, inconscientemente, nos convinha esquecer. Desta forma, os conteúdos considerados traumáticos e penosos ou até mesmo recordações angustiantes do sujeito seriam esquecidas para evitar a angústia e a ansiedade, assegurando, assim, o equilíbrio psicológico uma vida mais saudável do sujeito. Todo este processo designa-se então de recalcamento. Segundo Sigmund Freud, seria através deste processo que os conteúdos do inconsciente seriam impedidos de aceder ao ego, ou seja, à consciência. Sendo assim, este processo é designado como um mecanismo de defesa através do qual pensamentos, sentimentos, recordações e desejos que sejam considerados dolorosos para o sujeito sejam afastados da consciência com o objetivo de reduzir a tensão provocada por conflitos internos.
Para além disto, Freud afirmava que estes conteúdos recalcados e, posteriormente, "esquecidos", não poderiam ser recuperados pela vontade própria do sujeito, mas somente através do método psicanalítico, que levaria a que se pudesse aceder a recordações recalcadas, muitas delas com origem na infância (amnésia infantil). Mais à frente abordaremos ainda as conceções de Freud, que deixarão mais nítidas e explicitas todos os conteúdos do consciente e do inconsciente.
Interferências das Aprendizagens
As investigações mais recentes tendem a explicar o esquecimento através de processos fundamentais, processos de interferência. Os processos de interferência distinguem-se dos outros tipos de esquecimento pelo facto de estarem associados a novas memórias que interferem com a recuperação de memórias antigas. Existem diversos processos de interferências, no entanto, destacam-se duas formas essenciais para a melhor compreensão deste tipo de esquecimento:
- Processo de Interferência Proativa: Corresponde à influência negativa que uma aprendizagem anterior tem sobre a recordação de uma nova informação. Por exemplo, caso mudemos o PIN do telemóvel, o PIN antigo irá fazer com que não memorizemos o PIN novo, atuando os conhecimentos antigos de forma negativa relativamente às informações novas.
- Processo de Interferência Retroativa: tal e qual como o nome indica, corresponde ao efeito negativo que a informação nova tem sobre a anterior. Por exemplo, caso alteremos o número do nosso telemóvel, o número novo irá fazer com que nos esqueçamos do número antigo, atuando as aprendizagens novas de forma negativa relativamente às informações anteriores.
Este tipo de processo tem vindo a substituir a concepção mais antiga e comum de esquecimento: o esquecimento devia-se à decadência ou desaparecimento do traço mnésico ou engrama. Nesta concepção mais antiga de esquecimento, o passar do tempo faria desaparecer toda ou parte da informação sobre um assunto. Contrariamente a esta concepção de esquecimento, hoje em dia sugere-se que, ao invés da informação desaparecer totalmente, o que acontece ao material que não conseguimos recordar é ter sofrido modificações. Estas modificações são, geralmente, associadas a transferências de aprendizagens e experiências posteriores. Desta forma, muitas das vezes quando pensamos ter esquecido um determinado conteúdo, o que realmente aconteceu é que essa informação que possuíamos sofreu tantas transformações e alterações que já não a reconhecemos mais.
Aprendizagem
Antes de abordarmos o que realmente é a aprendizagem e como pode ser descrita, analisemos um dia da nossa rotina. Por muitas diferenças que possamos ter, a nossa rotina baseia-se em alguns pontos cruciais. Antes de irmos para a escola, por exemplo, acordamos ao barulho do despertador, desligamo-lo, levantamo-nos, tomamos banho, vestimo-nos, tomamos o pequeno-almoço, lavamos os dentes, pegamos na mochila e apanhamos o autocarro… Após isto, chegamos à escola, cumprimentamos os nossos colegas e, depois da campainha tocar, dirigimo-nos para a aula.
Todos estes comportamentos, essenciais e básicos à nossa vida, que acabámos de descrever são aprendidos, ou seja, adquiridos no processo de socialização, ao longo da nossa vida, em diferentes contextos que nos surjam. Processos como arrumar a roupa, livros, cumprimentar as pessoas, sorrirmos aos outros ou mesmo processos como a linguagem e a leitura resultam de uma aprendizagem.
Deste modo, podemos definir aprendizagem como uma modificação relativamente estável do comportamento ou do conhecimento, resultando da experiência, exercício, treino ou estudo.
No entanto, contrariamente ao que muitos de nós possam pensar, nem todas as mudanças do comportamento são resultado de um aprendizagem: existem conjuntos de comportamentos que pertencem à nossa matriz genética e que se atualizam, de forma eficaz, sem necessitarem de uma aprendizagem. Comportamentos como pestanejar, respirar, fazer a digestão, dar oxigénio às células, entre outros exemplos, não são produto de uma aprendizagem, mas sim de um contexto genético. Neste contexto genético, doenças ou lesões, fadiga, fome e ingestão de substâncias ilícitas, por muitas consequências que possam causar na alteração dos comportamentos de um indivíduo, também não são designados como aprendizagem.
A aprendizagem será então o fenómeno que irá levar à grande distinção entre os seres humanos e o resto dos seres vivos. Como vimos anteriormente, o facto de o ser humano nascer inacabado, quando comparado com outros seres vivos (esquemas genéticos rígidos), o que parecia ser uma desvantagem, tornou-se no fim das contas numa capacidade de flexível de se adaptar ao meio. Obviamente que me refiro à capacidade de aprendizagem. Esta capacidade apenas foi possível devido ao grande período de dependência dos adultos que um ser humano apresenta, levando à possibilidade de no centro da sua evolução surgir uma capacidade tão única, a aprendizagem. A aprendizagem é assim um processo cognitivo fundamental no processo de adaptação ao meio, sendo denominado como o processo cognitivo que nos torna humanos.
Processo de Aprendizagem
Como podemos perceber com a descrição feita da rotina anterior, alguns dos comportamento apresentam-se mais elementares do que outros. Alguns comportamentos encontram-se relacionados diretamente com os estímulos do meio, sendo previsíveis a partir de um certo estímulo. Aos comportamentos inseridos na descrição anterior, designam-se aprendizagens não simbólicas. Por outro lado, comportamentos como é o caso de cumprimentar pessoas, escrever um sumário ou ler o manual, por exemplo, são aprendizagens simbólicas, uma vez que envolvem a maneira como interpretamos a realidade e aquilo que nos rodeia, assim como a forma como regulamos o nosso comportamento.
Desta forma, podemos dividir os tipos de aprendizagem em dois grande grupos, que se dividem em subgrupos:
Aprendizagem não simbólica (ou Comportamental):
- Aprendizagem não Associativa - Habituação e Sensitização
- Aprendizagem Associativa - Condicionamento Clássico e Condicionamento Operante
Aprendizagem Simbólica (ou Cognitiva):
- Insight
- Latente (através de mapas cognitivos)
- Aprendizagem por observação e imitação
- Aprendizagem com recurso a símbolos e representações
Aprendizagem não Associativa
Como nos foi possível perceber com a perceção e, posteriormente, com a memória, ignoramos a maior parte dos estímulos a que estamos sujeitos, não lhes dando então atenção uma vez que nos habituamos a estes mesmo. Caso contrário, ou seja, caos captássemos todos os estímulos a que estamos sujeitos, seriamos impossível funcionar enquanto organismo.
Tudo isto se deve à habituação (onde o nosso sistema aprende a não reagir a muitos dos estímulos que nos rodeiam) tendo a capacidade de selecionar dos estímulos do meio ambiente apenas aqueles que nos interessam, centrando a atenção no que é realmente importante e essencial para nós. Desta forma, o nosso organismo habitua-se aos estímulos que nos rodeiam e que não são essenciais, esquecendo-os e ignorando-os.
Mesmo assim, a aprendizagem não associativa não se baseia apenas na habituação, mas também na sensitização. Por um lado, a habituação é o processo onde o nosso sistema aprende as características de um estímulo sem importância e que não de nenhuma forma perigoso nem essencial para a nossa vida. No entanto, por outro lado, a sensitização é o processo onde o nosso organismo aprende as propriedades de um estímulo ameaçador e prejudicial. Através da sensitização, os seres vivos, assim como o ser humano, aprendem a apurar os seus reflexos, deixando-os mais preparados para a fuga ou defesa. Desta forma, a sensitização ativa-nos para reagirmos ao estímulo propício a ser ameaçador.
Por exemplo, caso ouçamos um tiro de uma arma de verdade, um indivíduo irá reagir mais ativamente do que o normal a qualquer ruído nos minutos após o disparo (sensitização). No entanto, casos pensemos numa arma de brincar que causa algum ruído, inicialmente, após o primeiro disparo, o nosso organismo irá responder com uma série de reações autónomas no nosso corpo, como o aumento das batidas do coração, o aumento da rapidez da nossa respiração, entre outros (sensitização). Porém, se o ruído continuar a se repetir, estas reações irão se reduzir, levando a que ignoremos por completo o estímulo, uma vez que este não é ameaçador nem essencial para a nossa sobrevivência (habituação).
Sendo assim, podemos perceber que a aprendizagem por habituação e a aprendizagem por sensitização são duas formas distintas de aprendizagem não associativa, uma vez que neste tipo de aprendizagem o indivíduo aprende apenas as características de um só tipo de estímulo. Desta forma, a habituação e a sensitização são as formas mais simples e básicas de aprendizagem.
Aprendizagem Associativa
A aprendizagem associativa, como vimos anteriormente, desdobra-se em dois tipos de aprendizagem: Condicionamento Clássico e Condicionamento Operante. Estes dois tipos de aprendizagem são mais complexos do que a aprendizagem por habituação e sensitização, uma vez que concedem à aprendizagem do indivíduo uma necessidade de associar estímulos e respostas ou associar diversos estímulos entre si.
Condicionamento Clássico
Foi o investigador russo Ivan Pavlov (1849 - 1936) que, ao estudar os reflexos digestivos do cão, descobriu um novo tipo de aprendizagem não só presente nos animais, mas também nos seres humanos, reflexo condicionado. Para isto, foi elaborado uma experiência que será descrita seguidamente:
- Após Pavlov apresentar a carne ao cão, este salivava.
- Posteriormente, apresentava ao cão a carne sempre acompanhada com o som de uma campainha. Este procedimento foi efetuado durante algum tempo, por forma ao animal fixar esta associação (carne + som).
- Após muitas repetições do passo 2, apenas com o som da campainha, o cão salivava.
Este estudo implicou assim a descoberta de um estímulo (som) que não provoca nenhuma resposta específica, após ser associado a outro estímulo essencial ao cão (carne), passou a provocar a salivação (resposta condicionada).
Para se compreender melhor este processo de aprendizagem, tomemos atenção à distinção de conceitos:
- Estímulo Neutro - Antes do condicionamento, este estímulo não produzia qualquer respostas desejada (por exemplo: som da campainha).
- Estímulo não Condicionado ou Incondicionado - Estímulo que desencadeia uma resposta não aprendida (por exemplo: a carne).
- Resposta Incondicionada - Respostas inata, ou seja, que não foi aprendida (por exemplo: salivar com o cheiro da carne).
- Estímulo Condicionado - Estímulo neutro, quando associado ao estimulo incondicionado, passa a provocar uma resposta idêntica ou semelhante à desencadeada pelo estímulo incondicionado (por exemplo: o som, depois de associado à carne, passa, por si só, a provocar a salivação do cão).
- Resposta Condicionada - Após o condicionamento, esta resposta segue-se ao estímulo que antes era neutro (por exemplo: salivar quando ouve o som).
Como podemos analisar através da imagem:
- O estímulo que é incondicionado (carne) provoca uma resposta incondicionada (salivação do cão), uma vez que não passa de um processo inato, ou seja, que não é aprendido.
- Durante o processo de condicionamento, o estímulo que antes era neutro (som da campainha), transformar-se-á num estímulo condicionado (o som da campainha já provoca, só por si, a salivação do cão).
- O estimulo que se tornou condicionado provocará uma resposta condicionada (saliva quando ouve somente o som da campainha). Por fim, a resposta condicionada será semelhante ou idêntica à resposta incondicionada.
Como pudemos observar, o cão aprendeu a salivar com apenas o som da campainha. Este tipo de aprendizagem, designado de condicionamento clássico ou respondente ou pavloviano, está presente tanto nos animais como nos seres humanos, sendo uma aprendizagem que não envolve a vontade do sujeito sendo portanto o sujeito passivo.
Existem imensos comportamentos humanos aprendidos com base no condicionamento clássico, tal como o receio de apanhar um choque. Caso ligues um candeeiro e, neste procedimento, apanhes um choque, terás receio de te aproximar sequer deste mesmo candeeiro.
Mesmo assim, queria realçar que nas mesmas investigações de Pavlov constatou-se que a resposta condicionada aprendida pelo sujeito pode ser extinta caso o estímulo fosse apresentado várias vezes sem ser seguido do estímulo incondicionado, a resposta incondicionada acaba por desaparecer. Ou seja, após o processo de condicionamento, caso façamos soar o som da campainha, no entanto pararmos de apresentar seguidamente a carne ao cão, deixaremos de obter a resposta condicionada aprendida, ou seja, salivar apenas com o som da campainha, uma vez que este estímulo condicionada tornar-se-á novamente um estímulo neutro, que não será essencial à vida do indivíduo. Desta forma, o estímulo será ignorado evidenciando-se a aprendizagem por habituação anteriormente estudada, onde o cão esquece o estímulo aprendido, já que não lhe é essencial à vida.
Condicionamento Operante
A Lei do Efeito, criada por Edward Thorndike, iniciou, de certa forma, as investigações acerca do condicionamento operante, posteriormente avançadas e corroboradas por Burrhus Skinner. A Lei do Efeito defendia que os comportamentos que produzem um estado de coisas satisfatório são mantidos, ou seja, reforçados, enquanto que aqueles que geram um estado de coisas incómodos ou nulos são enfraquecidos ou eliminados.
Mais tarde, Skinner desenvolveu uma experiência que iria conduzir à descoberta de como muitas das nossas aprendizagens, assim como de muitos outros seres vivos, se processam e mantêm, assumindo que as consequências de um comportamento são mais importantes do que qualquer estímulo que o proceda. Para controlar de forma mais eficiente as variáveis da experiência, criou um dispositivo experimental, denominado de "caixa de Skinner", do inglês "Skinner box", que continha um outro dispositivo automático, uma espécie de alavanca, que libertava alimento quando era acionado. Desta forma, Skinner:
- colocou um animal, neste caso um rato, esfomeado no dispositivo ("caixa de Skinner")
- durante algum tempo, o animal explora o ambiente, acostumando-se a este mesmo, através do cheiro ou da deambulação pelo mesmo.
- De forma aleatória aciona o único dispositivo automático presente e recebe uma porção de alimento.
- A partir de então, o rato começa a pressionar a alavanca por forma a receber alimento
Como podemos observar através da experiência, o rato aprendeu a obter alimento, através da pressão na alavanca: graças ao reforço de uma consequência positiva, obtenção de alimento, o animal aprendeu a carregar no dispositivo automático. Caso suspendamos o reforço da ação executada, esta resposta deverá perder-se.
Skinner, com base nesta, destacou reforço como o estímulo que, por trazer consequências positivas, aumenta a probabilidade de uma dada resposta ocorrer. Segundo Skinner, existem dois tipos de reforços:
- Reforço Positivo - Estímulo que tem consequências positivas ou agradáveis para o sujeito e que se segue a um dado comportamento. Por exemplo, o rato pressiona a alavanca da gaiola e recebe alimento, levando a que este rato aja sobre o meio e receba uma recompensa que reforça o seu comportamento. Podemos também, por exemplo, pensar numa criança que recebeu uma nota excelente num teste e é recompensado (adiciona-se um estímulo) de algum modo. Esta recompensa irá incentivar a criança a obter notas extraordinárias nos testes, por forma a ser recompensado.
- Reforço Negativo - O sujeito evita uma situação desagradável ou então dolorosa, se se comportar de um determinado modo, levando a que se elimine o estímulo que lhe provoca dor. Por exemplo, o rato age sobre o meio com o objetivo de eliminar um estímulo aversivo, pressionando a alavanca por forma a suspender um som alto ou um choque. Para além disto, podemos pensar ainda numa pessoa que tem calor e decide ligar o ar-condicionado para retirar o calor excessivo. A pessoa liga o ar-condicionado por forma a retirar o calor excessivo (eliminação de um estímulo), sendo recompensado com uma temperatura ambiente.
Desta forma, podemos concluir que o reforço positivo e negativo têm ambos as mesmas consequências, ou seja, aumentar ou fortalecer a ocorrência de um certo comportamento, reforçando a probabilidade que uma dada resposta ocorra.
Para além disto, Skinner distinguiu ainda um outro conceito fundamental para a corroboração da sua teoria de aprendizagem, o castigo. O castigo, contrariamente ao reforço, é um procedimento que leva à diminuição da probabilidade de uma dada resposta ocorrer através do uso de estímulos aversivos. O castigo ou punição são aplicados quando não existe uma resposta ou quando esta mesma não é desejável. Skinner distinguiu, à semelhança dos reforços, dois tipos de punição ou castigos:
- Punição Positiva - Envolve a apresentação de um estímulo aversivo em consequência a um determinado comportamento. Por exemplo, pensemos no caso de uma criança que faz birra no meio de um centro de comercial porque quer um carrinho de brincar novo. Caso se dê uma palmada à mesma (adiciona-se um estímulo) iremos estar a contribuir para que se altere de certa forma um determinado comportamento, ou seja, fazer birra. Desta forma, adiciona-se um estímulo (palmada), por forma a contrariar e a diminuir um comportamento (birra).
- Punição Negativa - Envolve a eliminação de um estímulo em consequência de um determinado comportamento. Pensemos, novamente, por exemplo, na criança que faz birra no meio de um centro comercial. Caso lhe tiremos o telemóvel, ou algum pertence, como a consola de videojogos em casa, ou a possibilidade de ir jogar futebol mais tarde, estaremos a retirar um estímulo, por forma a contrariarmos o comportamento que não é procurado (birra).
Sendo assim, concluímos que um estímulo, segundo Skinner, tem a capacidade de controlar um comportamento. Este controlo pode levar ao seu aumento, à sua diminuição ou então mesmo à sua eliminação da probabilidade de ocorrer.
Quando a consequência aumenta a probabilidade de um dado comportamento ocorrer, estamos perante um reforço, uma vez que aumenta a probabilidade de um dado comportamento ocorrer. Por outro lado, estamos perante uma punição quando uma dada consequência visa a diminuir ou mesmo eliminar um certo comportamento, reduzindo a probabilidade de este comportamento ocorrer.
Para além disto, ditamos que tanto no reforço como na punição, o efeito positivo adiciona um estímulo, enquanto que o efeito negativo tende a remover ou eliminar um estímulo.
Diferenças entre Condicionamento Clássico e Condicionamento Operante
Como podemos observar, são gigantescas as diferenças entre os dois tipos de aprendizagem, no entanto realçam-se, principalmente cinco, que estão demonstrados na tabela em seguida:
Aprendizagem por Insight
A aprendizagem por Insight foi formulada por Wolfgang Köhler que defendia que a aprendizagem ocorria também por insight, ou seja, compreensão súbita, e não apenas por tentativa e erro. Desta forma, segundo Köhler, a aprendizagem dá-se através da perceção de relações de forma súbita ou repentina que levam à solução de um dado problema.
Köhler realizou algumas experiências, nomeadamente com chimpanzés, por forma a demonstrar que a compreensão súbita através da ligação de elementos de uma mesma situação, levam a um elemento chave. A experiência mais célebre do psicólogo foi com o chimpanzé Sultan, que se apresenta de seguida:
- O chimpanzé Sultan tem fome, mas não consegue alcançar o cacho de bananas pendurado no cimo do teto, obtendo então um problema.
- Por forma a alcançar o cacho de bananas, Sultan percebe-se subitamente que se empilhar as caixas tem a possibilidade de alcançar o cacho.
- Através do empilhamento das caixas, Sultan alcança então o cacho de bananas tão desejado.
Desta forma, Wolfgang Köhler acabará por concluir que a aprendizagem dos seres vivos pode surgir de forma súbita ou repentina, através da perceção de relações ou do desbloqueio de mecanismos de forma inconsciente que levam a uma dada relação e à solução do problema imposto. Sendo assim, nem toda a aprendizagem baseia-se num processo gradual ou por tentativa e erro.
Aprendizagem Latente
Formulada por Edward Tolman, a aprendizagem latente surge como desafio à exclusividade da aprendizagem comportamental, demonstrando uma importância muito maior dos processos mentais que se encontravam na base das mudanças comportamentais. Segundo Tolman, a aprendizagem latente, ou seja, a aprendizagem de algo que apenas se manifesta num momento oportuno, baseada em mapas cognitivos e em reforços positivos, era evidente em muitos seres vivos, tal e qual como tentou demonstrar com as experiências realizadas em ratos colocados num labirinto.
Tolman, para corroborar a sua teoria, criou três grupos de ratos, cada um com uma especificidade distinta:
- Grupo I - Grupo de ratos que circulava pelo labirinto, no entanto não recebiam nenhuma recompensa à saída. Este grupo apresentava uma maior taxa de erros no percurso deste labirinto, demorando um maior tempo para o realizar.
- Grupo II - Grupo de ratos que circulava pelo labirinto, porém recebia uma recompensa à saída. Este grupo apresentava uma menor taxa de erros no percurso do labirinto, demorando menos tempo a percorre-lo.
- Grupo III - Este grupo de ratos encontrava o seu calendário dividido. Nos primeiros nove dias, os ratos percorriam o labirinto sem receber uma recompensa. Neste período de tempo, o grupo cometia imensos erros e demorava mais tempo a percorrer o labirinto. No entanto, a partir do décimo dia, os ratos começaram a receber uma recompensa após a realização do labirinto. A partir de então, o grupo de ratos cometia muito menos erros e percorria o labirinto mais rapidamente.
Como podemos observar através do Grupo III, os ratos que não recebiam recompensa haviam criado um mapa mental no seu cérebro, no então não manifestavam a aprendizagem recebida. Tudo isto se alterou desde o momento em que lhes foi adicionado uma recompensa após o percurso do labirinto (incentivo para os ratos), tendo então utilizado a aprendizagem latente recebida (mapa mental do labirinto). Desta forma, concluímos que a aprendizagem apenas foi utilizada quando se obteve um momento oportuno, ou seja, quando se apresentou o incentivo, para os ratos.
Aprendizagem por Observação e Imitação
Ponderemos o primeiro dia em que fomos para a escola. Neste caso, poderá ter acontecido que te tenhas dirigido para a sala de aula após ouvires a campainha a tocar e tenhas visto os teus colegas de turma a tomarem a iniciativa de regressar para a sala de aula. Outro exemplo, é a aprendizagem da escrita e da fala que se dá, principalmente, por observação direta dos comportamentos daqueles que consideramos modelos, ou seja, os nossos pais, professores, irmãos, entre outras pessoas que convivam conosco. Deste modo, podemos concluir que muitas das nossas aprendizagens ocorreram num dado contexto social, ao longo do processo de socialização, anteriormente falado, através da observação e da imitação dos outros.
Albert Bandura foi o psicólogo que defendia a possibilidade de ocorrerem mudanças comportamentais sem necessariamente existirem reforços desse comportamento, através do reforço vicariante, ou seja, reforçado por um modelo), sendo esta a aprendizagem por observação e imitação, também denominada aprendizagem social ou aprendizagem por modelação.
Bandura realizou algumas experiências para corroborar a sua teoria, utilizando a relação entre a agressividade de um grupo de crianças com a observação e a imitação de um modelo. Com base nestas experiências, Bandura confirmou que a experiências de outros pode levar à aquisição de novos comportamentos. Sendo assim, um indivíduo pode adquirir um comportamento a partir da observação de modelos. A obtenção destes comportamento apenas era possível devido ao reforço vicariante referido anteriormente, que envolvia quatro processos:
- Atenção ao modelo.
- Retenção do que se viu e ouviu.
- Reprodução ou imitação.
- Motivação de que o comportamento seja integrado no conjunto de respostas do indivíduo.
Mesmo assim, Bandura procurou perceber o porque de muitas crianças não reproduzirem comportamentos agressivos, mesmo após os terem observados. Após isso, recorreu a algumas crianças que haviam observados eventos de comportamentos agressivos e chocantes, assegurando que haviam memorizado as cenas. Com isto, Bandura concluiu que não bastava observar e reter um comportamento para o imitar, havendo toda uma fase de execução que implica fatores internos do próprio sujeito.
Com isto, Bandura evoluiu a sua teoria da aprendizagem social para a teoria cognitiva e social, onde se considerava de extrema importância as capacidades cognitivas do sujeito. Desta forma, cada indivíduo não é apenas um produto das circunstâncias da vida, mas também o seu motor. Cada indivíduo possui um conjunto de competências que permitem a aprendizagem e o desenvolvimento do mesmo, evidenciando-se a capacidade reflexiva para se avaliar a si próprio. Sendo assim, a observação do outro (modelo) permite ao indivíduo adquirir competências por modelação social, encarando a aprendizagem como "a aquisição de conhecimentos através do processamento cognitivo da informação".
Aprendizagem com Recurso a Símbolos e Representações
Aquisição de Conhecimentos
Como já observámos anteriormente, quando aprendemos algo novo, integramo-lo nos conhecimentos que já havíamos adquirido e que se encontrão assegurados pela memória. Porém, não só possuímos informação armazenada, como esquemas cognitivos prévios.
Os novos conhecimentos podem, de certa forma, aumentar e enriquecer os esquemas cognitivos preexistentes, podendo modificá-los ou então levar à criação de novos esquemas. No entanto, todos estes processos são complexos, uma vez que os esquemas cognitivos não são imutável, mas sim dinâmico, que proporciona os conhecimentos que já possuímos, integrando os novos conhecimentos. Desta forma, apenas existe aprendizagem se houver esta relação, ou seja, todo o processo de integração.
Aquisição de Procedimentos e Competências
Para que sejamos capazes de executar uma determinada tarefa, somos obrigados a desenvolver um conjunto de ações concertadas, designadas por procedimentos. Caso pensemos na competência escrita e na leitura, todo este processo necessita de um conjunto de procedimentos para que, no final, consigamos escrever de forma rápida e eficaz, como é o caso da identificação das letras, das sílabas, da coordenação motora, entre outras.
Sempre que precisamos de aprender algo novo, ou seja, uma nova competência, mobilizamos os esquemas gerais relacionados. Deste modo, imaginemos que precisamos de aprender a andar de mota, iremos recuperar os esquemas gerais, à memória a longo prazo, de andar de bicicleta. Aplicando os esquemas gerais de andar de bicicleta à nova tarefa, ou seja, andar de mota, através da realização das alterações necessárias, faremos com que integremos os novos elementos desta tarefa, tornando-nos eficazes. Com isto, através da repetição sistemática, iremos progressivamente corrigir as ações inadequadas, acabando por repetir as que avaliamos como adequados, até o processo se tornar automático para nós.
Deste modo, andar de moto passará a fazer parte da nossa memória a longo prazo, podendo ser, eventualmente, recuperada daqui a muito tempo este "saber-fazer", tal e qual como a tarefa de saber andar de bicicleta.
Como aprendes? Quando Aprendes?
Como podemos observar ao longo de todas as teorias da aprendizagem, a aprendizagem é um processo cognitivo que implica a interação direta entre o ser humano e o meio, tendo assim por base a sua experiência de vida. Para que um indivíduo consiga se adaptar, tem de gerir a a informação que recebe, tendo por base as solicitações da informação e aquelas que já possuímos. É por estes mesmo motivo que diferentes pessoas, admitindo que estão face a uma mesma situação, podem ter diferentes formas de aprendizagem, assim como o resultado desta mesma aprendizagem também pode ser diferente.
Sendo assim, a aprendizagem é um processo pessoal, baseando-se: no seu pensamento, nas suas emoções, nos seus sentimentos e afetos e ainda na sua história de vida, ou seja, as experiências de vida.
É com base na aprendizagem que nos modificamos e reorganizamos interiormente, fazendo com que o modo como integramos uma informação ou conhecimento novo resulte de uma síntese entre o que somos e o que sabemos, as representações do mundo que possuímos e que se nos apresenta de novo. Deste modo, uma mesma informação pode conter significados distintos para diferentes pessoas, pelo que não é correto ensinar da mesma forma para todas as mesmas pessoas.
Para além disto, existem inúmeros fatores que facilitam a aprendizagem. De seguida iremos enunciar alguns deles:
- Motivação - Sabemos que aprendemos de forma mais rapidamente e de forma mais eficiente quando se tem motivação, ou seja, quando estamos interessados pelo tema em questão. Quando estamos motivados, apresentamos uma atitude mais ativa e empenhada em todo o processo de aprendizagem, tendo assim uma melhor aprendizagem. Mesmo assim, podemos afirmar que a relação entre a motivação e a aprendizagem não é estática, mas sim dinâmica, uma vez que a motivação surge, normalmente, quando nos encontramos interessados e empenhados e começamos a aprender. Desta forma, compreendemos que a motivação pode surgir em qualquer momento do processo da aprendizagem, pelo que não se deve resistir ao investimento da aprendizagem de determinado assunto, apenas porque não nos interessa logo à partida. Para além do mais, podemos distinguir a motivação em dois tipos: motivação intrínseca (o sujeito aprende porque tem prazer, dependendo de fatores internos) e motivação extrínseca (o sujeito aprende porque espera uma dada recompensa, dependendo de fatores externos).
- Conhecimentos Anteriores - Todos os conhecimentos anteriores que possuímos sobre um dado assunto, pode condicionar a nossa aprendizagem. Existem certos conhecimentos, denominados conhecimentos prévios, que, caso não existam, impossibilitam-nos de aprender algo novo. Desta forma, uma nova aprendizagem apenas ocorre quando o material se incorpora ou relaciona com os conhecimentos que já possuíamos.
- Quantidade de Informação - A capacidade que temos de aprender novas informações é limitada, ou seja, tem limites, contrariamente ao que se possa pensar. É extremamente difícil incorporar grandes quantidades de matéria ao mesmo tempo, algo que certamente já sentimos, por exemplo, numa aula extremamente extensa ou em que foi lecionada imensa matéria. Por este motivo, é necessário que se proceda a uma seleção de informação relevante, organizando-a por forma a podermos geri-la em termos de aprendizagem.
- Diversificação das Atividades e de Estratégias - Todos sabemos, por experiência própria, que quanto mais diversificada for a abordagem a uma dado assunto, ou seja, quanto mais diferenciada forem as tarefas, mais eficiente será a aprendizagem, uma vez que nos leva a uma maior concentração e motivação.
- Planificação e Organização da Informação - A definição de objetivos e a seleção de estratégias de aprendizagem é essencial para que a mesma ocorra de forma eficiente. Porém, apenas isto não basta, tendo de haver toda uma planificação, organização do trabalho por etapas, culminando na avaliação dos resultados. Sendo assim, a planificação e a organização, para além da eficácia, promovem, de certo modo, o controlo dos processos de aprendizagem, ou seja, controlam a autonomia do sujeito.
- Cooperação - A forma como encaramos e solucionamos um dado problema é diferente. Deste modo, certos problemas são mais bem resolvidos, assim como a aprendizagem ocorre de um modo mais eficaz caso trabalhemos cooperativamente. Sendo assim, as diferentes perspectivas face a um dado problema leva a que surjam diferentes alternativas para a sua resolução, fazendo com que a aprendizagem cooperativa possibilite a resolução de problemas mais complexos mais eficazmente, uma vez que implica a interseção e ajuda mútua dos sujeitos.
Inteligência
A inteligência destaca-se como a gestão de funções cognitivas e emocionais que permitem ao indivíduo enfrentar situações novas e resolver problemas, aprender a partir das próprias experiências, explicar conhecimentos e raciocinar, adaptar-se ao meio ambiente, entre muitas outras. Desta forma, a inteligência pode ser definida como a capacidade que, através de diversas competências, nos permite adaptar eficazmente ao meio. É de realçar que o conceito de inteligência absorve elementos de relatividade, como é o caso da cultura. Caso pensemos em culturas distintas que valorizam diferentes capacidades, então o seu conceito de inteligência será distinto.
Como podemos observar, a inteligência é uma capacidade complexa e, por este mesmo motivo, existem inúmeras concepções e teorias do que é a inteligência e como se processa:
Teorias Clássicas da Inteligência, Fatoriais e Psicométricas:
- Teoria Bifatorial da Inteligência
- Teoria Multifatorial da Inteligência
Teorias Contemporâneas da Inteligência:
- Teoria das Inteligências Múltiplas
- Teoria Triárquica da Inteligência
Teoria Bifatorial da Inteligência
A teoria bifatorial da inteligência, formulada por Charles Spearman, apresentava um vinco extremamente marcante da genética, pela forma como a inteligência já nascia conosco (inteligência de cariz genético), tendo o meio apenas a função de estimula-la. Desta forma, Spearman defendia a importância de testes que medissem a inteligência dos indivíduos, como é o caso dos testes de QI, baseados na Escala Métrica de Inteligência (EMI): pretendia-se definir a idade mental do sujeito, ou seja, o nível de desenvolvimento intelectual, através da utilização de testes de QI (quociente de inteligência).
Spearman baseou-se em duas ideias centrais para a formulação da sua teoria. O psicólogo inglês defendia que a inteligência é uma capacidade unitária subjacente a todas as nossas capacidades intelectuais, pelo que cada pessoa tende a manifestar o mesmo grau de inteligência em diferentes áreas. Através dos testes de QI, que eram compostos por vários subtestes e que se aplicavam a diferentes áreas ou competências, Spearman concluiu que pessoas que tivessem uma boa pontuação num subteste, conseguiam também obter uma pontuação alta nos outros subtestes.
Mesmo assim, esta relação direta entre as pontuações não era perfeita, pelo que concluiu que existiriam dois tipos de fatores:
- Fator G (Inteligência Geral) - A inteligência geral é definida como "a capacidade de deduzir relacionamentos e deles extrair correlatos, ou seja, relações.
- Fator S (Inteligência Específica) - A inteligência específica é aquela que corresponde a diferentes habilidades, como é o caso das atividades mecânicas, verbais, numéricas, espaciais, entre outros.
Desta forma, Spearman admitiu a intervenção de fatores específicos (fatores S), no entanto, estes teriam uma menor influência do que a inteligência geral (fator G) nos resultados finais. É de realçar que o fator G uma energia mental essencial e totalmente inata, enquanto que os fatores S dependeriam da aprendizagem e da ativação/estimulação do fator G.
Teoria Multifatorial da Inteligência
A teoria multifatorial da inteligência, formulada por Louis Thurstone, defendia que o cerne da inteligência, ou seja, a base central da inteligência, não residia num único fator, contrariando as ideias de Spearman, mas sim em sete aptidões gerais, que apelidou de aptidões mentais primárias. Thurstone, através da aplicação de variados subtestes com base nas sete aptidões gerais defendidas, detectou que existiam realmente diferenças de desempenho, desvalorizando assim a importância de um fator G.
Desta forma, um sujeito era passível de obter resultados elevados numa área e um menor rendimento noutra, pelo que levou a Thurstone criticar os testes de inteligência com a função de destacar um QI, uma vez que esta destacava excessivamente a sobrevalorização do fator G. Sendo assim, o psicométrico e psicofísico americano decidiu substituir as escalas e testes de QI por um perfil das capacidades intelectuais que demonstrasse os níveis atingidos por cada sujeito em cada uma das sete capacidades.
Segundo Thurstone existiam sete aptidões gerais, sendo todas de natureza distinta e relativamente independentes entre si. Para além disto, cada aptidão poderia encerrar em si diferentes atividades cada uma com "pesos" distintos:
Teoria das Inteligências Múltiplas
A teoria das inteligências múltiplas foi formulada por Howard Gardner. Gardner defendia que a inteligência é a "capacidade de resolver problemas ou de criar produtos que são significativos para um ou mais grupos culturais". Recusou por completo o estudo da inteligência através de uma escala de medida com base em testes de QI, baseando o seu estudo em indivíduos com características especiais, como é o caso de crianças com um raciocínio matemático exímio para a sua idade, no entanto com uma maior dificuldade na aprendizagem de, por exemplo, línguas. Desta forma, Gardner defendia que não se deviam utilizar bases da análise com índice fatorial, para além de afirmar que as inteligências múltiplas de Thurstone são, na verdade, tipos de intelecto separados.
O psicólogo cognitivo e educacional americano destacou um papel importante para a corroboração da sua tese para os denominados idiots savants e o condicionamento existente por culturas diferentes sobre o desenvolvimento das competências cognitivas. Para além disto, baseou ainda os seus estudos através de pessoas com lesões cerebrais, de sujeitos sobredotadas e ainda de indivíduos excepcionalmente dotados apenas em certas áreas, destacando a independência das diferentes áreas cognitivas. Desta forma, como podemos observar Gardner defendia que o cérebro humano possui uma diversidade de inteligência, podendo este operar de forma diferente para diferentes ações, ou seja, competências. Sendo assim, concluímos que a inteligência apresenta-se dividida pelas várias áreas cerebrais, sendo estas independentes umas das outras, podendo cada pessoa misturar ou combinar os diversos tipos de inteligência. Estas combinações distintas irão levar às múltiplas formas de comportamento inteligente.
De seguida, demonstram-se as várias inteligências destacadas por Gardner na sua teoria das inteligências múltiplas:
Teoria Multifatorial da Inteligência
A teoria multifatorial da inteligência, formulada por Robert Sternberg, defende que a inteligência se encontra dividida em três tipos de inteligência distintas, cada uma relacionada com um tipo de habilidade distinta. A súmula destas inteligências levam à nossa capacidade de resolver os problemas e os dilemas que nos surgem no dia-a-dia:
- Inteligência Criativa - Surge como a capacidade de ir além dos dados recebidos. Permite-nos planear, criar e inventar ideias novas. Encontra-se relacionado com habilidades criativas.
- Inteligência Analítica - É a capacidade para analisar, comparar e avaliar as ideias que nos surgem. Permite-nos resolver problemas conhecidos e tomar decisões de forma acertada. Encontra-se relacionado com habilidades analítica-abstratas.
- Inteligência Prática - Baseia-se na capacidade para transformar a teoria proposta em prática. Desta forma, transforma-se as realizações ou ideias humanas abstratas em produções práticas. Encontra-se relacionada com as habilidades de índole prática.
Para Sternberg, a inteligência não se encontra divida em diferentes tipos, como Gardner defendia, mas sim uma interação destas três dimensões da inteligência, destacando a importância dos tipos de inteligência que não variam ou variam pouco em diferentes culturas.
Sendo assim, a teoria triárquica da inteligência humana procura explicar, numa perspetiva de cognição integrada, a relação entre:
- Inteligência e o Mundo Interno do Indivíduo - Basicamente, pretende explicar os processos mentais subentendidos no comportamento inteligente.
- Inteligência e o Mundo Externo do Indivíduo - Procura explicar a utilização destes mecanismos mentais na vida quotidiana na procura de se ajustar ao meio que o envolve.
- Inteligência e Experiência - O papel mediador das vivências entre os mundos interno e externo do indivíduo
Teorias da Inteligência - Súmula
Como nos foi possível observar ao longo da abordagem às várias teorias da inteligência, todas apresentam diferenças e contrastes umas em relações às outras. Por muito que umas defendam a Escala Métrica de Inteligência (EMI), baseando nos testes de QI e no seu resultado (Teoria Bifatorial da Inteligência e Teoria Multifatorial da Inteligência) e outras, por outro lado, critiquem totalmente este método de distinção de inteligência (Teoria das Inteligências Múltiplas e Teoria Triárquica da Inteligência), todas as quatros teorias apresentam contrastes nas teses e na definição do que realmente é a inteligência. É óbvio que percebamos que estas diferenças surjam do avanço da tecnologia e dos estudos realizados acerca do ser humano e do meio em questão ao longo do tempo, não sendo nenhuma dela totalmente correta e impassível de alteração, uma vez que, tal e qual como o nome sugere, são teorias acerca da inteligência e de como é que esta se processa.
Deste modo, apresenta-se de seguida uma súmula acerca destas quatro teorias da inteligência:
Inteligência Emocional
A inteligência emocional, contrariamente ao que se possa pensar, é algo que se vai construindo e desenvolvendo ao longo do tempo, pelo que é considerada uma das soft skills mais importantes para o nosso desenvolvimento, como é o caso da criatividade, da empatia ou da comunicação. Desta forma, a inteligência emocional é caracterizada como a capacidade de identificar e lidar com as emoções e sentimentos, não só nossos, mas de outras pessoas. Inicialmente, este conceito surgia nas palavras de Charles Darwin, no entanto sempre relacionado com a teoria evolucionista e o instinto de sobrevivência, sendo, mais tarde, aprofundada por Daniel Goleman. Goleman foi o primeiro a aprofundar a complexidade da inteligência emocional. Mesmo que Goleman tenha sido um dos pioneiros para a criação do quociente de inteligência (QI), apresentou a concepção da capacidade de um sujeito saber lidar com as suas emoções e sentimentos e de outros, ou seja, quociente emocional (QE), seria muito mais importante do que a competência de processar informação. Para além disto, destacou que a competência emocional seria 80% do sucesso de uma pessoa em termos profissionais, enquanto que a capacidade de processar informação ocuparia apenas 20% dessa importância.
Sendo assim, percebemos que dominar a inteligência emocional passa muito por se ser capaz de perceber as nossas emoções, juntamente com a dos outros. Porém, a inteligência emocional apresenta cinco pilares fundamentais que, de certa forma, ditam a maior ou menor inteligência emocional numa pessoa:
- Reconhecimento das Emoções - Baseia-se na autoconsciência, ou seja, na capacidade de compreendermos com as emoções funcionam, de onde vêm e como se manifestam. Geralmente as emoções propiciam dois tipos de reações, sendo estas psicológicas (pensamentos e crenças) e físicas (arrepios e aumento do batimento cardíaco, por exemplo).
- Controlo das Emoções - Baseia-se na autorregulação, ou seja, a competência de gerenciar os nossas sentimentos e emoções. Caso exista um reconhecimento exato das emoções, o seu controlo passa a ser mais facilitado.
- Desenvolvimento de automotivação - Tal e qual como o nome indica, diz respeito a nossa motivação e a capacidade de nos mantermos motivados. Para que tal ocorra, é necessário termos em conta um bom domínio das nossas emoções e sentimentos, por forma a atingirmos um objetivo em específico.
- Desenvolvimento de Empatia - Neste ramo, destaca-se não só as habilidades individuais, mas dá-se também importância às competências interpessoais. No facto de necessitarmos de possuir empatia, exibe-se o conceito-chave que todos conhecemos de se "colocar no lugar do outro". No entanto, o domínio da empatia não se fica por aqui, somando-se a capacidade de reconhecer que as demais pessoas também tem emoções e precisam de aprender a lidar e com elas.
- Desenvolvimento do Relacionamento Interpessoal - O quinto e último pilar trás ao de cima a importância da capacidade de nos relacionarmos com o outro e como as competências sociais provindas desta interação nos podem ser úteis nesse sentido. Apenas desta forma, compreendemos o porque do ser humano necessitar da relação com os demais para poder ultrapassar e superar os obstáculos que nos aparecem.
As Emoções
As emoções, até à década de 70 do século XX, mantiveram-se afastadas do núcleo central da reflexão sobre o comportamento humano e sobre a sociedade. Até esta altura, as emoções eram destacadas como perturbadoras do modo de pensar e de agir, pelo simples facto de serem irracionais, pelo que existia uma primazia da racionalidade em detrito das emoções. Desta forma, as emoções eram interpretadas nestas situações como um obstáculo ou ruído para o funcionamento adequado da razão, do pensamento.
No entanto, inúmeros investigações mais recentes, como é o caso do célebre António Damásio, demonstraram que as emoções não são de todo obstáculos ou ruídos, como eram demonstrados anteriormente, passando a ser encaradas como processos com valor adaptativo, fundamentais para o ato de decidir.
Emoções e Comunicação
Como podemos observar no nosso dia à dia, as emoções são destacadas como algo subjetivo e desencadeadas por algo ou alguém, estando sempre acompanhadas por gestos ou movimentos que exprimem estas emoções.
As emoções, para além do mais, são uma das principais fontes de comunicação do bebé, durante os seus primeiros meses de vida, uma vez que é através destes que o bebé comunica de forma rudimentar com a sua mãe ou com os seus cuidadores com base em:
- Gestos e Mímicas
- Sorrisos, Expressões Faciais, Choro ou Grito
Todas as formas anteriores destacadas são formas de comunicação entre o bebé e a mãe, uma vez que visam respostas adequadas às suas necessidades. Obviamente que não é na infância que estas capacidades ficam totalmente desenvolvidas e aprimoradas, uma vez que é através do processo de socialização que estas se irão desenvolver totalmente.
Emoções - Sentimentos - Afeto
Os processos emocionais, caracterizados pelas emoções, sentimentos e afetos, são extremamente importantes na nossa relação com os outros, acrescentando e colorindo as nossas experiências pessoais, apoiando nas nossas tomadas de decisão.
Sendo assim, podemos descrever:
- Emoção - Padrão de reação, complexo e transitório, a um evento ou assunto pessoalmente significativo.
- Sentimento - Experiência mental e privada dos afetos e das emoções. Corresponde a um estado mais ou menos duradouro resultante da intelectualização das emoções.
- Afeto - Sensação subjetiva em relação a uma pessoa, objeto ou situação e que orienta o comportamento.
Emoção vs Sentimento
Usualmente, os dois termos são utilizados como semelhantes ou mesmo sem sinónimos, demonstrando uma estreita conexão entre os sentimentos e as emoções. No entanto, estes dois termos apresentam-se extremamente distintos. A partir de então passaremos a tentar explicar a diferença entre ambos:
- Emoções - Demonstram-se públicas e observáveis e aparecem na história da humanidade antes da linguagem como meio de comunicação. As emoções não requerem necessariamente consciência e são determinadas pela interpretação dos factos e não pelos factos. Para além do mais, as emoções são estados temporários e breves.
- Sentimentos - Demonstram-se privadas e não observáveis e aparecem como estados afetivos que predominam a experiência interior e cognitiva. Os sentimentos têm uma relação privilegiada com a consciência e não estão relacionadas com as emoções de forma direta. Para além do mais, os sentimentos são produto dos afetos e das experiências emocionais e prolongam-se no tempo.
Por fim, para terminarmos a relação existente entre as emoções e os sentimentos, temos que realçar o facto das emoções gerarem sentimentos, e vice-versa.
Componentes das Emoções
As emoções envolvem um conjunto de componentes que variam no número e na ordem em que são apresentadas. De seguida, iremos abordar três destas componentes, no entanto teremos de esclarecer que todas as emoções são compostas por componentes desencadeadas por um estímulo. Desta forma, as componentes são:
- Componente Neurofisiológica - Esta componente refere-se às manifestações orgânicas da emoção, mais propriamente, requer a ativação nervoso e endócrino.
- Componente Cognitiva - Baseia-se os conhecimentos e saberes anteriores, provindos das suas experiências, ou seja, é a interpretação e significado atribuídos aos estímulos sensoriais.
- Componente Comportamental - É o conjunto de comportamento desencadeados a partir de uma emoção, ou seja, é a dimensão observável.
Sendo assim, podemos destacar que as emoções não se podem reduzir a nenhuma das componentes anteriormente enunciadas, uma vez que cada uma influência todas as outras. Naturalmente, o que ocorre no estudo das emoções nos seres humano é a tentativa de conhecer melhor a natureza de cada uma delas, por forma a se avaliar o seu efeito em todas as outras.
Componente Neurofisiológica
Como foi demonstrado anteriormente, a componente neurofisiológica das emoções baseia-se na manifestação das emoções, requerendo estruturas do sistema nervoso central para o seu bom funcionamento.
Porém, existem certas zonas de extrema importância para o bom funcionamento do ser humano por forma a que haja sempre uma resposta rápida e eficaz ao problema que nos surge. Sendo assim, podemos destacar a amígdala (componente do sistema límbico) como uma das principais estruturas, uma vez que é extremamente importante nas decisões de fuga ou ataque. Para além desta estrutura límbica, temos também as zonas das áreas pré-frontais do córtex cerebral e o sistema endócrino. As áreas pré-frontais são responsáveis por coordenar os comportamentos com vista à eficácia e o sistema endócrino encontra-se envolvido nas emoções, como, por exemplo, a produção de adrenalina pelas suprarrenais.
Como podemos observar pela imagem, após o desencadear de uma resposta emocional, todo o nosso corpo se encontra envolvido, porém existem estruturas que irão tomar um papel principal na resposta tomada. Estas estruturas são então partes do cérebro, como é o caso do tálamo, da amígdala e do córtex orbitofrontal, assim como estruturas do sistema nervoso autónomo (SNA).
O sistema nervoso autónomo irá tomar grande importância na decisão e na resposta emocional, assim como certas parte do cérebro. O sistema nervoso autónomo terá então como papel principal a regulação interna do corpo, através das glândulas. Como já sabemos o SNA apresenta duas grandes divisões:
- Sistema Nervoso Simpático - Mobiliza recursos do corpo, preparando-o para a ação, tendo como principal função gerar energia.
- Sistema Nervoso Parassimpático - Regula o organismo em situações pacíficas, tendo como principal função economizar energia.
A amígdala, como foi descrita anteriormente, também é uma das principais estruturas para a resposta emocional necessária ao ser humano. Numa situação de perigo, a amígdala, caracterizada como a parte emocional do cérebro, é ativada, identificando a ameaça e preparando o corpo para a resposta necessária, fugir ou atacar. Esta preparação leva a que se produza, automaticamente, adrenalina nas glândulas suprarrenais, levando a que o sistema nervoso simpático se ative, como, por exemplo, com a expansão dos pulmões, a dilatação das pupilas, a aceleração dos batimentos cardíacos, entre outros.
Inicialmente, todo este processo se inicia com a avaliação da ameaça. O estímulo é enviado pra o tálamo e, posteriormente, para o córtex visual, levando a que seja interpretado a imagem. Caso esta seja indica como ameaçadora, através de uma componente avaliativa, o estímulo é recebido pela amígdala, o que a ativa, preparando o corpo.
No entanto, por forma a que a integração do conhecimento de se o estímulo é uma ameaça ou não, devido ao processo evolutivo, o nosso corpo apresenta um certo atalho neural, que faz com que a informação seja recebida e interpretada mais rapidamente, sem que seja necessário os centros corticais a processarem. Sendo assim, parte da informação é automaticamente transferida e enviada pra a amígdala, desencadeando as as reações neurofisiológicas necessárias.
No entanto, quando o córtex pré-frontal não consegue controlar a amígdala, surge algo mais preocupante, a ansiedade que escapa ou se liberta da parte lógica do cérebro. A ansiedade evoluiu como uma emoção útil, uma vez que o processamento pré-cognitivo do medo realizado pela amígdala foi determinante para a espécie humana, uma vez que é caracterizada como uma resposta rápida a um dado estímulo, o que proporcionou de certa forma a nossa sobrevivência. Porém, quando esta ansiedade interfere com a nossa vida, deixa de ser um mecanismo de sobrevivência e passa a ser um distúrbio complexo.
Geralmente, destacam-se quatro tipos de distúrbios de ansiedade consoante o medo que é provocado:
- Medos Catastróficos - Destaca o medo de que algo irá inevitavelmente correr mal.
- Medo de Avaliação (Ansiedade Social) - Destaca-se como a mais comum na sociedade e envolve o medo persistente e debilitante de ser julgado por outros sujeitos.
- Medo de Perder o Controlo - Encontra-se associada aos ataques de pânico.
- Medo da Incerteza - Resulta geralmente em perturbações obsessivo-compulsivas, também denominadas POC.
Estes distúrbios são, hoje em dia, combatidos com um tipo de terapia específico, criado recentemente, a terapia cognitivo comportamental. Esta terapia proporciona a alteração de pensamentos negativos e padrões de comportamento, através da utilização de de técnicas de exposição, por exemplo.
Esta temática da ansiedade encontra-se toda explícita e demonstrada com a análise e reflexão acerca do 6º documentário do episódio "Ansiedade", da série "Resumindo: A Mente", no separador de "Trabalhos" - "Documentários".
Componente Comportamental
A componente comportamental, como já foi referida anteriormente, encontra-se associada ao conjunto de comportamento desencadeados a partir de uma emoção, sendo então caracterizada como uma dimensão observável.
Paul Ekman foi psicólogo americano pioneiro no estudo das emoções e das expressões faciais. Os estudos de Ekman demonstraram e realçaram o carácter inato de um conjunto de emoções básicas, assim como a existência e o acompanhamento destas emoções de expressões faciais involuntárias e previsíveis, biologicamente preparadas e comuns a todos os indivíduos. Segundo Ekman, existem seis emoções humanas básicas, universais ou primárias.
- Medo
- Ira
- Nojo
- Espanto
- Tristeza
- Alegria
Porém, obviamente que as nossas emoções não se esgotam apenas nas emoções básicas que foram estudadas por Ekman. Para além destas emoções básica, existem ainda imensas emoções secundárias. Sendo assim, podemos distinguir emoções básicas de secundárias através de:
- Emoções Primárias - Caracterizam-se por surgirem desde muito cedo na infância. Destacam-se como inatas e úteis para uma reação rápida quando surgem determinados estímulos do meio: externo ou interno. Para além disto, são também destacadas como as emoções evolutivas partilhadas por indivíduos de todas as culturas, estando ligadas a padrões neuronais e fisiológicos inatos.
- Emoções Secundárias - Caracterizam-se por surgirem mais tarde e serem constituídas sobre as emoções primárias. Este tipo de emoções implicam uma avaliação cognitiva das situações e o recurso a aprendizagens anteriores. Geralmente, este tipo de emoções encontram-se envolvidas nas áreas do córtex pré-frontal. Sendo assim, são destacadas as emoções associadas às relações sociais e nas quais os aspectos socioculturais aprendidos são mais significativos.
Para além da caracterização das emoções, Paul Ekman observou que existiam cerca de mais de dez mil expressões que o rosto humano era capaz de efetuar acompanhadas de uma emoção, sendo este programa "infinito" de expressões um programa inato facial das emoções com os padrões de cultura que regulam e normalizam o uso social da emoção.
Esta programação inata interage com regras de exibição definidas culturalmente, tendo cada um de nós a capacidade de controlar a intensidade das emoções e selecionar os contextos mais adequados para a sua expressão.
Perspetivas das Emoções
As emoções do ser humano são objetos de investigação extremamente complexo. Com isto surgem então algumas questões pertinentes acerca das emoções, da sua manifestação ou então de qual a sua componente, biológica ou derivada do meio.
Por este mesmo motivo, surgiram então inúmeras perspetivas que se preocupavam a responder a estas e muitas outras perguntas:
- Perspetiva Evolutiva (Darwin e Ekman) - As emoções são universais e estão presentes de igual forma em animais e seres humanos de diferentes contextos culturais e/ou sociais. No livro "A Expressão das Emoções nos Homens e nos Animais", Darwin procura traços comuns na expressão de emoções em vários povos e espécies, destacando seis emoções básicas: alegria, tristeza, surpresa, cólera, desgosto e medo. Para Darwin, as emoções têm um papel adaptativo fundamental na história da espécie humana, uma vez que são determinantes para a capacidade de sobrevivência.
- Perspetiva Fisiológica (William James) - As emoções são meramente reações fisiológicas. Segundo James, as emoções, como a alegria e a cólera, resultavam da consciência ou percepção das mudanças orgânicas provocadas por estímulos, sendo então as emoções meramente sensações físicas.
- Perspetiva Cognitivista (Schachter) - As emoções resultam da interpretação cognitiva das nossas reações fisiológicas, depois da reação é que as nomeamos. As teorias cognitivistas afirmam que os processos cognitivos, como é o caso das percepções, das recordações ou das aprendizagens são essenciais para percebermos as emoções. Para que possamos ficar emocionados, tem de ocorrer obrigatoriamente duas coisas: Reação fisiológica ou estado de excitação e, consequentemente, uma explicação para essa excitação. Sendo assim, as emoções produzem então estados internos de excitação e nós procuramos no mundo exterior uma explicação para isso.
- Perspetiva Culturalista - As emoções são construções sociais, adquiridas mediante a socialização, razão pela qual dependem e variam consoante o tempo e espaço. Segundo esta teoria das emoções, não existem emoções universais, uma vez que as emoções são processos aprendidos no processo de socialização. Sendo assim, a cada cultura corresponde um conjunto de expressões: as diferentes sociedades e culturas definem o tipo de emoções que se podem manifestar e como manifestar. Deste modo, as emoções são uma construção social, já que têm de ser aprendidas: a sua forma de expressão varia de cultura para cultura, pelo que é variável consoante o tempo e o espaço.
Sendo assim, para explicar a riqueza das emoções, temos de ter em atenção todos os aspectos fisiológicos, comportamentais, expressivos, genéticos, cognitivos, cerebrais e subjetivos.
Não existe um quadro teórico que reúna todos estes aspectos. Deste modo, faz sentido encarar as teorias apresentadas anteriormente como distintas propostas de explicação, ou seja, vários pontos de vista que nos permitam compreender melhor as emoções.
Razão e Emoção
Antigamente, e como foi apresentado incialmente com a referência às emoções, tinha-se uma perspetiva muito intelectual e restrita apenas à mente, apontando as emoções como um obstáculo às tomadas de decisões claras e assertivas. Porém, com os vários estudos efetuados recentemente de neurocientistas atuais, torna-se mais evidente o conceito de mente, uma vez que se designa como a interação de processos não somente cognitivos, mas também emocionais e cognitivos.
Através do estudo do funcionamento das áreas pré-frontais e de casos insólitos de modificação das capacidades de decidir e agir, devido a acidentes vasculares cerebrais (AVC), traumatismo cranianos ou tumores, como é o caso de Phineas Gage, levaram a que António Damásio, um dos mais célebres neurocientista português, coloca-se em causa a exclusividade do raciocínio lógico nas tomadas de decisão dos indivíduos. António Damásio afirma então que as melhores decisões nem sempre são aqueles que são tomadas apenas com o uso do raciocínio e da lógica, tendo as emoções um papel também extremamente importante na tomada das mesmas.
Estas conclusões e outras basearam-se então com o conhecimento de que a análise rigorosa, precisa e lógica de todas as possibilidades, consequências e riscos levaria tanto tempo que a decisão acabaria por não fazer sentido. Deste modo, as emoções surgem então com um papel extremamente importante, correlacionadas com o raciocínio, para que se possa tomar a decisão mais acertada.
Sendo assim, podemos destacar duas vias aquando se dá uma tomada de decisão, tendo estas duas vias um carácter complementar, ou seja, funcionam de forma paralela:
- A representação das consequências de uma opção é disponibilizada pelo raciocínio: avaliação da situação, levantamento das opções possíveis, comparações lógicas, entre outras.
- A percepção da situação provoca, ao mesmo tempo, a ativação de experiências emocionais experimentadas anteriormente em situações semelhantes.
- As emoções são, portanto, processos indispensáveis no ato de decidir. Sendo assim, António Damásio afirma que o "organismo tem algumas razões que a razão tem de utilizar"
Marcadores Somáticos
António Damásio defendia a existência de mecanismo automáticos de decisão, em pessoas comuns e sem problemas neurológicos, que evitavam o exercício inútil e debilitante do cérebro. Este mecanismo automático era então orientador para os indivíduos e suportava as suas decisões. Este marcador funcionava como uma espécie de alarme que soava em situações que foram interpretadas como desagradáveis para o sujeito no seu passado. Sendo assim, este marcador atuava como um modificador de padrões inatos, sendo a sua ação mais eficaz com as aprendizagens em que se associavam sensações de agrado ou desagrado com certas situações.
Os marcadores somáticos explicam então como é que as emoções são biologicamente indispensáveis para que se tornem decisões. O cérebro aprende então a "destacar" os estímulos mais importantes, associando-os a uma emoção quando é necessário optar, levando a que se diminua as opções possíveis de escolha. Sem a existência destes marcadores somáticos, o raciocínio demoraria imenso tempo para analisar as opções restantes, uma vez que estas mesmas opções não eram descartas e acabariam por se misturar, dificultando todo o processo.
Deste modo, podemos destacar a existência dos marcadores somáticos, uma vez que demonstram a importância da relação entre os diferentes processos mentais, que se demonstram independentes. Com isto, tornou-se então evidente de que nem a cognição á tão lógica e racional como se defendia antigamente, nem as emoções são tão ilógicas e irracionais como se julgavam, não sendo então nenhum obstáculo ou ruído para o funcionamento adequado da razão, do pensamento e das tomadas claras e adequadas de decisão.